2 de jun. de 2011

2 - GARÇAS






Não sei de que tempo me olham,
por um momento apenas,
interrompendo o seu jeito de nada fazer.

Depois,
regressam aquele nadismo branco-gritante, 
e somem destacando-se contra a paisagem
amorfa de mentiras que, teimosas,
se empenham em destruir.

E incomodam, assim teimando,
porque destroem as desculpas.
Porque vivem, e se alimentam,
dum rio onde se diz não haver vida,
e apontam como um dedo branco,
silente mas acusatório, hediondos,
os muros desprezados nos fundos dos quintais
- para onde ninguém olharia se não fossem elas.


Porque apontam os canos brancos de plástico
ostensivamente despejando segredos
nas águas que são  (não são ?) de todos.


Porque chamam a atenção para  garrafas  plásticas,
para as sacolas óbviamente desnecessárias,
e para os objetos mais estranhos
que a deseducação e o desleixo produzem.


Incomodam porque regressaram e estão aí,
e elevam ao alto um restinho de alma de poeta
que ainda existe em nós, quer o saibamos ou não.


Incomodam, porque foi preciso recolher
e tratar o esgoto da cidade.


Incomodam porque foi preciso aprofundar
o leito das águas e limpar lixo acumulado
por gerações de olhar indiferente.


Incomodam porque fazem ninhal
nas árvores beirando as casas,
numa esperança de vida.

Numa esperança de continuidade a que somos obrigados a corresponder enquanto nos olham
com alguma displicência.
Como se viver ou morrer
não lhes fosse coisa muito importante.
Não tanto quanto as nossas consciências.


São assim as garças de Itapecerica.
(imagem Google )


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