30 de mai. de 2018

166 - NO ALTO DA MONTANHA DO ADEUS



No alto da montanha do adeus
há um grito rasgado e dolorido
feito do que não se escuta.
E um silêncio que se agiganta e
deixa por dizer o já sabido,
onde o desnecessário esmaga
os instantes do instante,
e os dilui no tempo.


Há uma espécie de noite
que invade  e amordaça
a claridade final dos destinos
que se cumpriram até ao cume.
E os cheiros?  Bem, os cheiros
evocam os caminhos percorridos
que, ali, chegaram ao fim.

No alto da montanha do adeus,
os gestos são estranhos,
um pouco reticentes  e inúteis,
como desculpas sobejamente
conhecidas.

Instala-se um silêncio
com poucos murmúrios, no vento:
-memórias que ainda tentam
uma vez mais repetir-se,
borbulhando lentamente e sem fé,
enquanto se vão fundindo
no caldeirão fuliginoso do tempo
rumo a um passado concluso.

No alto da montanha do adeus
fica o pico ermo e agreste,
inacessível,
onde cabe apenas um só.    
           




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17 de mai. de 2018

165 - A CABEÇA E O PREGO




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É a cabeça, e não o prego,
quem mantém unidas as partes.

A ferrugem cria um espaço próprio 

na madeira que a desidratação mirrou.

É assim que o prego deixa de ser prego,

com a oxidação do tempo passante.

É assim que se desunem as peças,

nessa união tornada lassa.

E talvez o prego nem tenha culpa,

quando a cabeça lhe sobressai da tábua lisa.

Mas quando o talho surge na topada dolorosa,

num insólito de sangue pelo chão...

vem o esboçar  de uma surpresa 
que não existe realmente

... escolhe-se o silêncio, e despreza-se a culpa

sem reconhecer o parafuso que faltou.

O perdão presume-se implícito
no sofrimento subsequente.


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9 de mai. de 2018

164 - SONHOS DE RIO









Às vezes sou rio, outras  sou margem.
Ora avanço fluindo constante, imparável e forte,
apreciando todos o detalhes de um mundo
que é, todo ele, o meu caminho,
ora as margens me sufocam numa implicância de detalhes,
com estreitos e fráguas, obstáculos e curvas
atrasando-me todos os  destinos.

Às vezes parece que me cospe, a montanha,
e salto no espaço destemido e inspirado,
rugindo brilhos de arco-íris encantados
e molhando de verde o mundo.
Na minha passagem movo engenhos, crio lagos,
sou alimento e caminho para os que me acompanham.

Outras vezes, afundo-me em terreno macio
e desapareço até de mim, bebido, drenado,
reduzido no meu poder.
Sugam-me a força os dias lentos, e
a secura das planícies monótonas sem outros desafios
que não sejam o da mais elementar sobrevivência.

Entre umas e outras
há um mundo que me deixa passar, quase indiferente,
sem prestar atenção a nenhum outro fado
que não seja o de ser rio, turbilhão de lodos,
solitário e único como todos os rios,
sempre alisando as margens esmagadoras,
rumo a um fim constantemente alterado.

Mas por hoje sou apenas nuvem,
e choro futuros copiosamente.




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