4 de jun. de 2011

3 - UM PRESENTE FEITO DE TEMPO




Dirigi-me á antiga clínica, perguntei por ela, e soube que sim: ainda era viva a freira que ajudara ao meu nascimento, muitos anos antes.

Chamaram-na e, nos poucos minutos que demorou a chegar, imaginei-a uma criatura alta e roliça, de bata branca e braços fortes,  nos quais se alojaram num primeiro instante muitas das crianças da cidade.

Mas quem chegou foi uma velhinha pequena, de olhos muito escuros e brilhantes, de sorriso travesso e passada firme, que me identificou imediatamente, quando lhe contei quem eu era.  

Logo me perguntou pela minha família, avós, pais, todos, e eu tive a certeza de que se lembrava de mim. Ficou visívelmente triste ao saber que todos já tinham partido, mas não disse nada - apenas levantou a mão até a minha face, num carinho simples.

“-Eram todos muito bonitos!” – lembrou sorrindo – “E tu eras um rapagão enorme, que chorava muito alto ! Ninguém conseguia dormir, quando choravas, tínhamos que levar-te para as cozinhas , no piso mais  distante dos quartos, para não incomodares as outras parturientes...”

Eu lembrava-me de ter ouvido essa mesma história contada por minha mãe. Não havia dúvidas que falávamos de mim. Aos poucos ambos riamos baixinho de pequenos detalhes que ela lembrava e me contava, como eu tinha esperado que fizesse, e eu estava muito contente por ter ido visitá-la.

 Mas rapidamente ficámos sem assunto, e eu entendi que estava interferindo com a rotina dela na clínica. Levantámo-nos ambos, e eu preparava-me para me despedir, quando ela me disse:

“-Foi um grande presente que me deste, vindo aqui. Foram tão pouquinhos, os que voltaram...Parece que foi ontem que nasceste, e hoje estás aqui, um homem feito. Mas agora é a minha vez de dar-te um presente, também. Vamos ver se consigo fazê-lo. Vens comigo até à cozinha ?”

Acompanhei os seus passinhos rápidos, enquanto  ela, deliciada, me ia apresentando a todos os que encontrávamos. Finalmente, na cozinha, dirigiu-se a um pequeno pátio coberto onde, num poleiro,  um papagaio dormitando aproveitava um resto de sol.

A alegria que manifestou quando a viu, e a satisfação com que deitava a cabeça na mão dela para ganhar carícias, disse-me que eram velhos amigos. Pouco depois de brincarem um pouco, ela começou a dizer baixinho “ Bé-bé... bé-bé... “   e o papagaio ficou arrulhando qualquer coisa, ininteligível.  E ela foi  insistindo “ bé-bé...bé-bé...”, até que nitidamente se escutou uma criança chorando, mais e mais.  E finalmente Frederico, o papagaio,  chorava a plenos pulmões, exatamente igual a uma criança em volume desesperante.   

Então ela, olhando para mim, disse:

- Este é o meu presente. Escuta: - esse chorão és tu, poucos dias depois de nasceres, quando te trazíamos para a cozinha para a tua mãe poder descansar.

Olhei novamente para o papagaio. Contente por colaborar, Frederico chorava  alegremente olhando para mim, num berreiro ensurdecedor...

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