
Dirigi-me á antiga clínica, perguntei por ela, e soube que sim: ainda era viva a freira que ajudara ao meu nascimento, muitos anos antes.
Chamaram-na e, nos poucos minutos que demorou a chegar, imaginei-a uma criatura alta e roliça, de bata branca e braços fortes, nos quais se alojaram num primeiro instante muitas das crianças da cidade.
Mas quem chegou foi uma velhinha pequena, de olhos muito escuros e brilhantes, de sorriso travesso e passada firme, que me identificou imediatamente, quando lhe contei quem eu era.
Logo me perguntou pela minha família, avós, pais, todos, e eu tive a certeza de que se lembrava de mim. Ficou visívelmente triste ao saber que todos já tinham partido, mas não disse nada - apenas levantou a mão até a minha face, num carinho simples.
“-Eram todos muito bonitos!” – lembrou sorrindo – “E tu eras um rapagão enorme, que chorava muito alto ! Ninguém conseguia dormir, quando choravas, tínhamos que levar-te para as cozinhas , no piso mais distante dos quartos, para não incomodares as outras parturientes...”
Eu lembrava-me de ter ouvido essa mesma história contada por minha mãe. Não havia dúvidas que falávamos de mim. Aos poucos ambos riamos baixinho de pequenos detalhes que ela lembrava e me contava, como eu tinha esperado que fizesse, e eu estava muito contente por ter ido visitá-la.
Mas rapidamente ficámos sem assunto, e eu entendi que estava interferindo com a rotina dela na clínica. Levantámo-nos ambos, e eu preparava-me para me despedir, quando ela me disse:
“-Foi um grande presente que me deste, vindo aqui. Foram tão pouquinhos, os que voltaram...Parece que foi ontem que nasceste, e hoje estás aqui, um homem feito. Mas agora é a minha vez de dar-te um presente, também. Vamos ver se consigo fazê-lo. Vens comigo até à cozinha ?”
Acompanhei os seus passinhos rápidos, enquanto ela, deliciada, me ia apresentando a todos os que encontrávamos. Finalmente, na cozinha, dirigiu-se a um pequeno pátio coberto onde, num poleiro, um papagaio dormitando aproveitava um resto de sol.
A alegria que manifestou quando a viu, e a satisfação com que deitava a cabeça na mão dela para ganhar carícias, disse-me que eram velhos amigos. Pouco depois de brincarem um pouco, ela começou a dizer baixinho “ Bé-bé... bé-bé... “ e o papagaio ficou arrulhando qualquer coisa, ininteligível. E ela foi insistindo “ bé-bé...bé-bé...”, até que nitidamente se escutou uma criança chorando, mais e mais. E finalmente Frederico, o papagaio, chorava a plenos pulmões, exatamente igual a uma criança em volume desesperante.
Então ela, olhando para mim, disse:
- Este é o meu presente. Escuta: - esse chorão és tu, poucos dias depois de nasceres, quando te trazíamos para a cozinha para a tua mãe poder descansar.
Olhei novamente para o papagaio. Contente por colaborar, Frederico chorava alegremente olhando para mim, num berreiro ensurdecedor...
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