22 de abr. de 2022

191 - A FACE DAS PALAVRAS

 





Dei às palavras face,

e logo lágrimas a sulcaram

como gotas de água escorrendo

rumo a destinos imponderáveis 

de vidraça exposta ao tempo.

 

Mas dei-lhes também o riso largo

das alegrias genuínas, em todos os detalhes

com que nasceram das minhas escolhas.

Entreguei-me a elas e dei-lhes o mundo,

dei-lhes amigos e histórias próprias,

fantasias e picos de sonhos ímpares.

 

Também juntos,

mergulhámos em abismos profanos

perdidos nos ecos de tempestades

quase insuspeitadas.

 

Caminhámos juntos por toda uma vida,

somando momentos, escrevendo momentos e

registando, como se pudéssemos guardá-lo,

o teor efémero e único dos instantes.

Mas aos poucos chegou a temida hora

de deixá-las entregues a si mesmas, para que

contem as histórias que são só minhas, não nossas.

 

E nesta despedida, nesta separação de rumos,

há já a saudade antecipada dos caminhos

que juntos fizemos. Do rio correndo,

incessante e prenhe da imensidão

onde tudo se deleitava.

 

Que agora cresçam, livres, se pudermos.

E que agora eu nasça, solto, se souber como.