2 de jun. de 2021

185 - ADEUS À VELHA ESTRADA




 Às vezes é preciso fugir da velha estrada,

numa ânsia de nós mesmos,

e procurar na calma fresca da tranquilidade

os frutos doces das explicações

tornadas desnecessárias.


É preciso tornar novamente possíveis

todas as palavras, sem medos ou peias, e

sem a preocupação antecipada pelo correto.


É preciso sentir que é nosso

esse caminho, a ser feito de escolhas por fazer.


É preciso fugir a esse comportamento esperado,

desejado, desejável, previsível, instalado,

que nos rotula e identifica, que

manieta entre limites e

nos impede de criar.


Às vezes é preciso ficarmos sós, sem ecos,

desfrutando do que somos já.

E talvez com isso nos percamos,

e deixemos de lado partes importantes de nós

que também nos são preciosas

e que gostaríamos de manter presentes

no nosso caminho.

Mas não, nunca chegamos a ser

o que não podemos ser verdadeiramente.


E isso, às vezes,

dói demais.



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184 - NO ÚLTIMO MOMENTO DAS ONDAS




No último momento das ondas

há uma voz baixinha,

um pouco arquejante pelos cansaços

do mar em vastidões,

que subitamente se escuta

como se se libertasse numa única palavra

lançada à praia, que se solta

e existe solta apenas até

que o leve chiado da espuma na areia

a disfarce e dissipe.


Às vezes nem se entende,

em outras não há quem a escute, mas

a palavra é “saudade”, e quando chega a ser

já sobreviveu a ondas e tempestades,

a ventos, correntes e contratempos.


Soa em momentos frágeis e únicos,

apenas uns instantes logo disfarçados de outros,

roucamente, quase um acaso feliz, e traz

um quase nada da força que as ondas têm.


Mas a vida é assim, um ir e voltar

de ondas em circunstâncias de acaso,

com as quais nem sempre é possível

marcar encontros para ouvir-lhes a voz.


Sabemos que é assim, mas também

que na praia sempre haverá alguém,

com vento nos cabelos

e olhos estreitados ao horizonte,

lendo um mar que não é seu,

e que nem seria mar se o fosse,

e que é salgado por conter lágrimas

mas que também é doce, por ser fortuito...