25 de dez. de 2017

157 - 2017, PALAVRAS DE NATAL DE UM ANO COMPRIDO







Mantenho a tradição e escrevo algumas linhas de fim de ano, como faço sempre, sem saber bem porquê.
Claro que não há nisso um lucro muito evidente, mas gosto de pensar que a mais este ano conseguimos sobreviver, eu e aqueles que me lerem.
De todos os anos, há uma espécie de substrato emocional que fica. É algo assim como aquela última gota de sumo que, se quisermos, conseguimos ainda obter duma laranja que já foi espremida até ao fim.
Apertamos, apertamos mais e mais, com a mão já tremendo por causa do esforço, e por fim lá aparece a gotinha, isolada e tímida, a agarrar-se aos dedos como se estivesse reticente em soltar-se deles e pingar para o copo.
Assim mesmo, sendo a última, traz todas as memórias do fruto. E é por essa derradeira gotinha que o lembraremos, bom ou mau, doce ou amargo, com satisfação ou com desilusão. Ou algo indiferentes por não ter sido nada de especial.
Para mim, o ano que finda é como essa última gota. E  é com essas linhas que sempre escrevo que guardo o tom,  a sua vibração  e impacto na minha vida, enfim, o sabor do ano que passou.
Claro que toda a avaliação é pessoal, e escolho ficar em silêncio quanto aos detalhes mais particulares e  mais corriqueiros da minha vida, dos quais não poderia queixar-me.
Mas no todo, foi um ano amargo e cheio de catástrofes, no meu país como em muitos outros. Algumas delas naturais, como incêndios, tornados, terremotos.
Outras, menos naturais, foram-se sentindo à medida que foram ficando claras algumas realidades. Por exemplo, foi-se tornando óbvio, claríssimo, que o nosso planeta está muito mais ameaçado do que se pensava.
Para não mencionar mais nada, milhões de pessoas morrem de sede, e a água já é uma commodity de lucro garantido.  Apetece perguntar se falta para que o seja.
O tanto que fizemos de errado, por puro desconhecimento e ignorância, é gigantesco. E o que fizemos de errado, mesmo com conhecimento  e sem poder alegar a ignorância como desculpa, é mais do que gigantesco - é criminoso. 
Vertiginoso e infame, porém, é o que não fizemos. O que deixou de ser feito, mesmo sabendo do que se estava  a passar. É uma vergonha !
Isso e a noção de que o cidadão, individualmente,  pouco pode fazer para mudar seja o que for,  deixa muito evidente o que tem sido a actuação dos políticos de hoje no mundo todo.
De substancial não fizeram quase nada, além de aperfeiçoaram a política como método. Evoluíram-na, de algo que era uma espécie de arte na convivência inter pares daqueles que se dedicavam a ela, servindo o povo, para uma ciência fria e abstrata que os perpetua no poder em jogos de compadrios, transformando o povo num rebanho sem esperança e sem voz, obediente por falta de opções reais.
Hoje, os políticos, todos eles em nome dum vago povo de costas largas, são quem manda e desmanda.  Não são mais servidores do povo a quem fingem servir e proteger.
Dos seus desmandos, corrupção e falta de mandos, tornaram-se claras algumas consequências impensáveis e imprevisíveis.
Tornou-se público que nunca houve tanta escravatura como hoje, no mundo. Nunca os escravos foram tão baratos, na História da Humanidade. Pelos cálculos mais amplamente aceites, é de crer que existam entre 12,3 milhões e 27 milhões de escravos apesar dos mais de 300 tratados internacionais e convenções, produzidos pelos políticos, que exigem o fim da escravatura. Fazê-los é fácil e dá votos. Fazê-los cumprir na prática é toda uma outra conversa.
Também se tornou público que o mundo mudou, em grande parte devido à crescente electrónica de consumo, que possibilitou como nunca antes um acesso fácil e muito rápido à informação através das redes sociais. E tudo isso é desejável, social e economicamente. Mas está tendo preços altos sobre o dia a dia. 
Aquela imprensa tradicional, reconhecida como bastião da liberdade, perdeu terreno e agoniza perante a onda gigante de iletrados e desinteressados - tendo sido a existência de  ambos estes grupos convenientemente estimulada em prol da apatia.
Essa imprensa está hoje extremamente dependente de subsídios vindos de governos que ela não pode contrariar sem graves prejuízos para a sua própria subsistência. 
E muita da nova imprensa virtual, mais alinhada com as novas correntes sociais/digitais, é oportunista no seu conteúdo, na esperança de ser reconhecida financeiramente por quem está no poder.
Sem imprensa livre e discordante, quando necessário, prospera a impunidade, o roubo e o desmando. Do nepotismo nem é bom falar.
Graças a tudo isso, e ainda ao doutrinamento político nas escolas, é fácil governar através das redes sociais e para as redes sociais. Acéfalas e com pouca auto-crítica, engolem tudo. Basta ter especialistas para criar os grandes grupos seguidores necessários. Se assim se vendem sabonetes, porque não se venderiam ideologias ?
Finalmente, outra coisa que se tornou óbvia neste ano que finda foi a dimensão do policiamento ideológico, e como isso se tornou numa ditadura imposta ao mundo pelo chamado políticamente correcto. 
Reescreve-se a História através de repetições  sem fim de factos "alternativos" e convenientes. Amordaça-se da pior maneira: em nome da liberdade e da democracia. Ai dos discordantes de certas ideias, mesmo que estejam erradas e em nenhum lugar se tenham provado eficientes. Ai deles! 
E assim, o nosso mundo caminha inevitávelmente para a guerra, repetindo erros anteriores que não o deixam corrigir. É o desencanto.
Poderia ainda acrescentar mais angústias e desagrados ao ano que agora termina. Como se isso fosse necessário, e não é,  para o tornar um dos piores e mais preocupantes de sempre...


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