7 de set. de 2014

100 - SOMANDO INSTANTES




Já cantei momentos únicos.
Preciosos, entre os instantes.
Dei voz às ruas de cidades só minhas
que tantas vezes abracei
com olhos de amante.
Adentrei-lhes sombras e recônditos,
amei-as em nichos e alcovas,
perdido nos encantamentos
surreais das suas madrugadas.
Conheço-lhes os outros instantes,
o cansaço antecipado de quem vai
e ainda tem pela frente o dia inteiro.
E depois a volta, anoitecendo.
Presenciei alguns dos seus segredos,
surpresas, coisas de às vezes…
Escutei-lhes tantas memórias,
em longos instantes de silêncio,
que me fizeram guardião
de muitos dos seus ecos…

Trago na ponta da língua
mil dos seus sabores e segredos…
Histórias de chegada e de partida.
Gestos acontecidos de improviso
na improbabilidade do impensável,
e fantásticos fulgores de acaso.
Escutei-as ciciar baixinho
os seus medos e vontades
de cidades apenas, sem tempo,
também elas feitas dos instantes
que, somados, são esse mundo
que me faz a mim de instantes.
Somados…

Cada um deles precioso,
e mil vezes relembrado.
Dos quais não me separo,
nem me ausento ou dispenso,
e que compõem essa voz
lenta, simples, já longa,
com que canto a minha vida
em palavras como momentos…

Pequenos mundos de palavras
nascendo e separando-se de mim.

Instantes de um instante…


(foto: H.Mendes  )

29 de ago. de 2014

99 - PASSO A PASSO






Começamos  por baixo,  ajeitando pedras
e sobras dum passado feito de momentos.
Sempre recriamos,  quando reciclamos rumos
e apontamos  a destinos  distantes
como se pudéssemos chegar neles assim,
afastando objecções com a vontade,
e adoçando com seduções de  luz dourada,
brilhos e  sorrisos cúmplices de alma,
todos esses  passos que,  passo a passo,
nos empenhamos em dar.

Somamos  instantes como quem faz vida,
sem pensarmos  que é a vida que faz instantes.

E sem pensarmos que as nossas escolhas
não são destinos, mas apenas
aquilo em que nos empenhamos.
Um  esforço concertado de desejo e de vontade
tentando trazer a esse mundo  cinzento, quotidiano,
todos os outros tons de coloridos ignorados,
sussurros  adiados  de amarelos  vibrantes  e vivos,
todas as cores que gritem aqueles brilhos
que nos aproximem do extremo,  dourado-único,
que,  como um tesouro,  ansiamos ter.

Mas somos instantes, como
sorrisos sorrindo no espelho.


(Foto: Henrique Mendes   2012 )

27 de ago. de 2014

99 - ALMA (en español )







Encomendé a mi alma
un poema.
Mas todo que  me va llegando
son apenas palabras-pajaros, volando
(planeando en nociones esparzas,
no en vuelos de garzas )
de una poesia
menor que la sed de mi dia
remota arena,  pero no playa
- no fruto, apenas baya…

( y palabras flacas, confusas,
aspiraciones difusas
 sombras en callejones
niños sonriendo  pantalones
y voces en suave agonia…
- no el poema que yo queria ! )

Tal vez mi poema, al final, no sea
esa cosa luminosa, que bromea,
que  llegue por entre  palabras e voluntades
encogido  en verguenzas de novedades,
y sutilezas de bodas  crudas,


un cántico en blanco-lunar, de sirenas desnudas…

foto: HMendes

98 - SERIAM PALAVRAS








Seriam palavras, se as houvesse.
Se pudessem dizer mais, daquilo que importa.
Se com elas se construíssem ninhos para onde voássemos,
quais pássaros livres mergulhando às alturas,
falhos de lógica, em quedas só nossas,  ascencionais,
seguindo os caminhos secretos do instinto
e as vozes antigas no sangue grosso,
quando gritasse exigências.

Seriam passos, se ainda os houvesse por dar.
Ou se fossem ainda necessários
para chegarmos onde já estamos sempre.
Se houvessem ainda caminhos a percorrer,
e se, percorrendo-os, diminuíssemos duma vez
as distâncias e os medos que nos separam de nós.
Seriam passos –ferramenta escavando um futuro
numa falésia rochosa feita de outras dificuldades.

Mas são apenas os dias escoando-se desperdiçados,
deixando atrás de si uma fome especial feita de desencontros,
de mal entendidos que talvez temamos bem- entender,
e, neles, as palavras revelando-se insuficientes,  soando ocas,
e os passos tornando-se caminhos sem rumos definidos,
desenhando pegadas em  mapas fortuitos, num ladear de destinos.

Por isso às vezes me desloco para  um outro mundo, desenquadrado,
sem regras nem tempo medido, nem assinado embaixo,
onde procuro que não haja esperança excessiva  nem mel a conta-gotas.
Um meio que seja um outro meio , talvez num tempo diferente,
onde quero as palavras como fortes mas singelas carícias,
e onde os gestos ecoem os adejos das  asas  brancas de criatura aladas,
ajoelhadas perante a  missão primordial de serem felizes.
Um meio e um tempo “entre” , onde subsisto numa história  crua,
e onde  me escrevo em prazeres onânicos e simples
enquanto os momentos  se revelam em  concordâncias fantásticas,
onde a verdade, como uma pimenta, se acrescente á ficção e ao mundo.

Em redor sobram, a partir de então, as cascas das horas  terçadas como armas, e  as identidades desperdiçadas perambulando pelo Caminho.




.

13 de mai. de 2014

97 - ASSIM É !






Para

-que encontres o teu poema,
basta uma noite amena
e que estejas  no jardim.

-que teus olhos vejam beleza,
onde sintas a firmeza
de caminhar até ao fim.

E se ainda não estiveres seguro,
derruba a casa mas deixa o muro,
que ninguém sabe bem sua raíz

sem percorrer em seus passos
trabalhos, amigos e abraços,
e os campos santos do seu país.

-nota que eu tampouco sei
se um dia conseguirei
chegar a  mostrar-te de mim

esse pouco que também tenho,
feito longe, lá de onde venho,
um destino que se escreve assim

-em letras onde pinto, como em telas,
gritos mudos, mas  abertas janelas
a mundos tão perto, e tão longe de mim...



MAIO 2014 

(POEMA ESCRITO ORIGINALMENTE EM ESPANHOL, E TRADUZIDO PARA O PORTUGUÊS )

2 de abr. de 2014

96 - MONÓLOGO DO CANTINHO








Eiii
Bem sei…
Mas… Vem cá…
Deixa tudo o resto pra lá…
( Escuta esse som baixinho, de horas passando!
Devia ter um violão doce, acompanhando…)
Se fosse constante, o soar, e eu Poeta a falar,
diria que era a Vida a declamar.
Ou, quem sabe,  rindo-se, na sua voz…
Como todas essas horas  que já riram de nós
e,  aos poucos, se escoaram,
e, aos poucos,  nos levaram,
( - Que rápido, não foi ?
  - Um ápice, não foi ? )
enquanto se iam, assim, fugindo,
e as seguíamos, loucos, rindo,
sem ver que nesse ir
ia muito mais que o nosso rir…
- ia aquela parte especial e única de nós,
que é capaz de, indo, nos deixar sós…


Jan/14

23 de mar. de 2014

95 - AQUELES QUE EU CANTO








A todos, aqueles que nos regozijamos com o Dia da Poesia, já passado:
-Parabéns !

Que nosso canto se erga sempre, e por límpidas causas !
Criámos, ao longo do tempo, algo a que pretenciosamente chamamos civilização. Dito assim, parece até coisa fácil, e sabemos que não foi. Demorou. Teve altos e baixos e, como sempre acontece, prevaleceu a visão dos mais fortes. Não necessáriamente dos melhores, ou dos mais justos, mas a dos que triunfaram.

Por isso, aquilo que a História nos conta, é quase sempre a história dos que ganharam voz. Raramente a dos silenciados, mesmo que sobreviventes. Na cultura, não poderia ser diferente.

Nesta data,  e pela primeira vez, faço como se fosse uma licenciosidade poética associada à data, uma sentida homenagem  a todos aqueles cujo  valor inestimável se perdeu na voragem das conquistas que o ser humano, com a justificativa de re-escrever permanentemente sua própria História, tem vindo arbitráriamente a impor ao seu semelhante.

Celebro, assim, não apenas a Poesia e os Poetas mas, acima de tudo, celebro o Espírito Poético que nos iguala e irmana na busca pelo belo, dando origem a todas as artes, não importando como se manifestem ou ganhem expressão e influência na vida de todos nós.

E cabe nesta exaltação  dos valores reais, não apenas mediáticos, uma palavra de ponderação sobre o triunfo de alguns,  tornados em quase-deuses  e investidos de poder pelas massas anónimas, sensíveis desde sempre a rótulos e a historinhas de encantar: 

- A maior conquista da Humanidade,  como um todo,  não é a sua cultura, mas a capacidade de perpetuar o conhecimento adquirido, e de preservá-lo,  bem como à sua capacidade de pensar. A isso, uma vez feito, chama-se memória de um povo.

Nesta época conturbada, usando a memória e os fácilmente comprováveis recursos da História, recordemos:  Todos os grandes regimes, mesmo as ditaduras, ou principalmente elas, não nasceram de um passe de mágica, mas sim com um forte apoio popular. Nasceram de gente falando bonito, e sempre em nome de um povo que se encantou. E que, encantado, ergueu seus braços e suas vozes aos milhões, em conjunto, dando o seu aval e tornando legítimas algumas passagens da História.  E algumas dessas passagens protagonizaram  horrores que, até hoje, há quem batalhe por desmentir.  A algumas  dessas passagens da História, só lhes faltou quem protagonizasse esses horrores às claras, assumidamente.

Em nome dos valores mais diversos, como honra, dinheiro, poder, pátria, política, justiça, e até de Deus, já matámos e já morremos aos milhões. Já  condenámos outros tantos ao sofrimento torpe e indigno da fome, da sede e da ignorância. Já esgotámos  o planeta ! E sempre encontrámos nos outros as desculpas e as justificativas para tudo isso.


Eu celebro aqueles de entre esses, que foram os conquistados. Alguns que não chegaram a ser, e de quem não se fala. E, neste Dia da Poesia, pergunto-me como seriam os seus versos. Se teriam a ligeireza dos nossos, e a efemeridade do que se lê por aí…



Foto: Mural Palacio Nabucodonosor/British Museum/London 2012/ Henrique Mendes

3 de fev. de 2014

94 - FINAL DE VERANO ( en español )



Hay un final de verano, en las olas de mi mar.
Un calor que es mío y diferente.
Que he extraído y sintetizado, como si savia fuera,
de los abismos  formidables de los momentos.
De las andanzas por lugares solo míos
que recorrí de manos dadas con un fado
mucho más grande que mi destino.
De andanzas que ahora son ya caminos.
Hay, sí, un final de verano, en las olas de mi mar.
Pero ya soy Otoño.
Caliente, todavía, y cargado
con todos colores de Verano.
Sin hojas sueltas corriendo por el suelo, marchitas,
arrastrándose sobre las piedras lisas
con el sonido grave del  fuego crepitando en las hogueras.
Porque mis hojas, son sueños que el viento lleva y,
a cada una, mi pasión desmesurada:
- mi grito de amor que nada, nunca, igualará.
Por eso, mis hojas irán teniendo de mí más que yo mismo.
Me llevarán en todos los poemas que yo alcanzar a ser,
y tal vez por mí enciendan estrellas, raras,
sembradas únicas como diamantes,
que darán voces a madrugadas y silencios.
Encenderán lunas y sombras cómplices.
Eternizarán brillos de vela, en lindos ojos,
y serán como raíces de memorias en flor
flanqueando veredas de tiempo.
Arenas calientes en  ensenadas de plata incontrastada.
Bosques de gestos frondosos, rigiendo un enorme concierto
de miles de ternuras sutiles, sincronizadas
por las partituras volátiles de los momentos…
Tal vez  por eso,  aquel tronco desnudo allá adelante,
como un maestro, pararrayos de la extrañeza,
yergua sus brazos, rigiendo bajo la luna  plateada
el coro siempre algo profano
de las descubiertas ya hechas.

(imperceptibles  en la noche del desierto, propagándose,
dunas y velos  diáfanos, toques de sedas y terciopelos,
respiraciones pesadas, narinas de camellos
caminando silenciosamente… )

Y por eso,
quien sabe se solamente por eso,
jamás  seré  Invierno…



2 de fev. de 2014

93 - DEGRAUS NAS MANHÃS




Eu encontro-te nos degraus das manhãs.
Escalo-te  pelos relevos mínimos  que descubro diariamente,
meio adivinhados, meio tateados  em caricias leves…
-Ensaios. Pontas de dedos, sondando etéreamente.

Sei-te nas coisas em que nunca te saberás, pequenas, ínfimas,
e  que um dia não lembrarei  mais,
de tão perdido de mim nesse olhar com que me olhas,
 e onde um dia navegarei  oceanos de coisas
que também não precisarão serem ditas.

Eu murmuro-te  no vento,  e  persigo-te  nas estrelas
do que poderiam ser madrugadas,
se  em dias alvorecessem.
Mas também te  escolho  noite…
E não te encontro mais,
apenas porque já te sou,  como ainda te és.
Não teu, mas tú.  E sendo-te , sou.

Sou, de ti, a parte mais inalienável, refeita,
e também a mais prescindível.
Aquela que podes sempre  adormecer  e  recalcar,
remeter ao eco das memórias por viver,
e ser como fomos sempre:  Nossos. Nossos!
Percorrendo os  degraus das manhãs…
Dias, mundos, e promessas de madrugada…

Portanto,
caminharemos indivisos na obscuridade
na risada cúmplice do descomprometimento das causas.
Não sabemos mais,  nenhum de nós, 
rabiscar na névoa dos dias
uma assinatura que nos seja plausível sem sofrimento.
Misturemos letras, assinemos juntos.
Sejamos um, ao menos, por excepção do outro.
Um, Poeta, esperando a vez de ser gente.
Ou o outro, que lá vai sendo gente,
mas que nem sempre dá conta de ser Poeta…



1 de fev. de 2014

93 - FIM DE VERÃO





Há um fim de verão, nas ondas do meu mar...

Um calor que é meu, e diferente.
Que extraí  e sintetizei, como seiva fosse,
das profundezas formidáveis dos momentos.
E das andanças por lugares só meus,
que percorri de mãos dadas com um fado
muito maior que o meu destino.

De andanças  que agora são já caminhos.

Há , sim, um fim de Verão, nas ondas do meu mar.
Mas sou já Outono.
Quente, ainda, e carregado
com todas as cores do Verão.
Sem folhas  soltas correndo pelo chão, fenecidas,
arrastando-se sobre as pedras lisas
com o som grave do fogo crepitando nas fogueiras.
Porque minhas folhas , são sonhos que o vento leva e,
e em cada uma delas, a minha paixão desmesurada:
- meu grito de amor que nada, nunca, igualará.

Por isso, minhas folhas irão tendo de mim mais do que eu.
Levar-me-ão em todos os poemas que eu for sendo,
e talvez por mim acendam estrelas, raras,
semeadas únicas como diamantes,
dando vozes a silêncios e madrugadas.
Acenderão luas e sombras cúmplices.
Eternizarão brilhos de vela em olhos lindos,
raízes de memórias em flor ladeando trilhas de tempo.
Areias quentes  em  enseadas de prata incontrastada.
Bosques de gestos frondosos, regendo um enorme concerto
de milhares de ternuras subtis,  sincronizadas
nas  partituras voláteis dos momentos …

Talvez por isso, aquele tronco desnudo lá na frente,
qual maestro pára-raios da estranheza,
ergue os braços regendo, sob um luar de prata,
o coro sempre algo profano das descobertas.

( Imperceptíveis  na noite do deserto, alastrando-se,
dunas e véus diáfanos, toques de veludo,
respirações pesadas, narinas de camelos… )


E por isso, só por isso,  jamais serei  Inverno.



92 - ACUARELA ( versão em espanhol de aguarela, nº 79 deste blog )




Si tuviera que pintar en colores
esta vida de la que no hablamos nunca,
escogería un tono muy oscuro
para las peleas y frustraciones.

Y habría tal vez otro,
cargado de esperanza, necesitado,
un verde bosque, abriéndose
a flores de otros colores.
Y los amarillos y naranjas del sol,
espaciados en acasos,
con azules  puros como el cielo
entre nubes intermitentes
y caprichosas.

Y un blanco
espino como el alma,
donde el destino escribiese
por la mano de alguien,
un desparramo de cariño
y palabras únicas
- Por toda la eternidad

de los momentos...