29 de ago. de 2014

99 - PASSO A PASSO






Começamos  por baixo,  ajeitando pedras
e sobras dum passado feito de momentos.
Sempre recriamos,  quando reciclamos rumos
e apontamos  a destinos  distantes
como se pudéssemos chegar neles assim,
afastando objecções com a vontade,
e adoçando com seduções de  luz dourada,
brilhos e  sorrisos cúmplices de alma,
todos esses  passos que,  passo a passo,
nos empenhamos em dar.

Somamos  instantes como quem faz vida,
sem pensarmos  que é a vida que faz instantes.

E sem pensarmos que as nossas escolhas
não são destinos, mas apenas
aquilo em que nos empenhamos.
Um  esforço concertado de desejo e de vontade
tentando trazer a esse mundo  cinzento, quotidiano,
todos os outros tons de coloridos ignorados,
sussurros  adiados  de amarelos  vibrantes  e vivos,
todas as cores que gritem aqueles brilhos
que nos aproximem do extremo,  dourado-único,
que,  como um tesouro,  ansiamos ter.

Mas somos instantes, como
sorrisos sorrindo no espelho.


(Foto: Henrique Mendes   2012 )

27 de ago. de 2014

99 - ALMA (en español )







Encomendé a mi alma
un poema.
Mas todo que  me va llegando
son apenas palabras-pajaros, volando
(planeando en nociones esparzas,
no en vuelos de garzas )
de una poesia
menor que la sed de mi dia
remota arena,  pero no playa
- no fruto, apenas baya…

( y palabras flacas, confusas,
aspiraciones difusas
 sombras en callejones
niños sonriendo  pantalones
y voces en suave agonia…
- no el poema que yo queria ! )

Tal vez mi poema, al final, no sea
esa cosa luminosa, que bromea,
que  llegue por entre  palabras e voluntades
encogido  en verguenzas de novedades,
y sutilezas de bodas  crudas,


un cántico en blanco-lunar, de sirenas desnudas…

foto: HMendes

98 - SERIAM PALAVRAS








Seriam palavras, se as houvesse.
Se pudessem dizer mais, daquilo que importa.
Se com elas se construíssem ninhos para onde voássemos,
quais pássaros livres mergulhando às alturas,
falhos de lógica, em quedas só nossas,  ascencionais,
seguindo os caminhos secretos do instinto
e as vozes antigas no sangue grosso,
quando gritasse exigências.

Seriam passos, se ainda os houvesse por dar.
Ou se fossem ainda necessários
para chegarmos onde já estamos sempre.
Se houvessem ainda caminhos a percorrer,
e se, percorrendo-os, diminuíssemos duma vez
as distâncias e os medos que nos separam de nós.
Seriam passos –ferramenta escavando um futuro
numa falésia rochosa feita de outras dificuldades.

Mas são apenas os dias escoando-se desperdiçados,
deixando atrás de si uma fome especial feita de desencontros,
de mal entendidos que talvez temamos bem- entender,
e, neles, as palavras revelando-se insuficientes,  soando ocas,
e os passos tornando-se caminhos sem rumos definidos,
desenhando pegadas em  mapas fortuitos, num ladear de destinos.

Por isso às vezes me desloco para  um outro mundo, desenquadrado,
sem regras nem tempo medido, nem assinado embaixo,
onde procuro que não haja esperança excessiva  nem mel a conta-gotas.
Um meio que seja um outro meio , talvez num tempo diferente,
onde quero as palavras como fortes mas singelas carícias,
e onde os gestos ecoem os adejos das  asas  brancas de criatura aladas,
ajoelhadas perante a  missão primordial de serem felizes.
Um meio e um tempo “entre” , onde subsisto numa história  crua,
e onde  me escrevo em prazeres onânicos e simples
enquanto os momentos  se revelam em  concordâncias fantásticas,
onde a verdade, como uma pimenta, se acrescente á ficção e ao mundo.

Em redor sobram, a partir de então, as cascas das horas  terçadas como armas, e  as identidades desperdiçadas perambulando pelo Caminho.




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