20 de jul. de 2022

198 - ASSIM É

 




Para

que encontres o teu poema

basta uma noite amena

e que estejas  no jardim


que teus olhos vejam beleza

onde sintas a firmeza

de caminhar até ao fim


e se ainda não estiveres seguro

derruba a casa mas deixa o muro

que ninguém sabe bem sua raíz


sem percorrer em seus passos

trabalhos, amigos e abraços

e os campos santos do seu país


-nota que eu tampouco sei

se um dia conseguirei

chegar a  mostrar-te de mim


esse pouco que também tenho

feito longe, lá de onde venho,

um destino que se escreve assim


em letras onde pinto como em telas

gritos mudos, mas  abertas janelas

a mundos tão perto, tão longe de mim



(POEMA ESCRITO ORIGINALMENTE EM ESPANHOL, RETROVERTIDO AO PORTUGUES )

COPYRIGHTHENRIQUEMENDES2015

15 de jul. de 2022

197 - CANTO CHÃO

 



 

 

Meu canto é chão, profundo.


Pesadas  são as cores das minhas paisagens,

em  acasos de pincel e tinta.


Errantes são meus trilhos, em pegadas incertas

pelas poeiras dos caminhos ermos,

que  ninguém mais percorre.


Mágicas, as vozes que falam por mim,

em longas frases, roucas e singelas.


Forte, é essa vontade que me consome

e gera  linhas cheias de palavras, como bálsamos.

Imensa, a extensão do meu querer, repetindo-se

em plágios de mim mesmo.


Velhas, essas ruas calçadas de negro,

nas noites claras de tantas cidades iguais,

onde  tantas vezes me procurei nos outros,

sempre tão esquecido de mim...

 

 

 

CopyrightHenriqueMendesJan/2008

 

 


13 de jul. de 2022

196 - PARECE QUE FOI ONTEM





Parece que foi ontem,

mas foi mesmo há muito tempo...


Uma manhã apanhou-me desprevenido

e lançou-me a sombra grata de uma árvore gigante

sobre umas folhas em branco, à minha frente,

à mesa de um café.


Depois disso escrevi-me em manhãs, 

todas quantas pude.


Escrevi-me em passos hesitantes 

pelas alvuras exigentes dos papéis,

que sempre me iam encontrando como sou:

- de olhos quase vagos e quase atentos,

sentindo em redor, como se olhasse.

( Um adulador de detalhes, na opinião de alguém. )


Escrevi-me dispersamente, 

espalhando-me pelas histórias 

que tantas outras mesas  me contaram, 

se sem saber que procurava repetir 

a força avassaladora daquela primeira vez, 

quando assim me vi, face á sede inesgotável 

do papel em branco.


Escrevi-me em instantâneos dos outros, 

que fiz meus. 

Foram segredinhos, surpresas e rompantes,

talvez partículas de passados 

a que dei formatos e sons, 

presença numa qualquer história 

- que existiria mesmo sem mim.


Escrevi-me em rituais estereotipados, sofridos, 

escolhas necessárias, tudo em nome de  algo 

que um dos meus  futuros possíveis

pudesse eventualmente exigir-me um dia, 

quem sabe...


Mas o futuro tardava a chegar, 

e era incerto que o identificasse

como sendo o meu...


Então,  parece que foi ontem,  

mas já foi mesmo há muito tempo,

que me escrevi em passos lentos 

pelas muralhas da cidade,

e em todas as fachadas brancas 

das casinhas sorrindo para o sol;


E em cada rua calçada de pedras antigas 

ecoando vozes de crianças;


E em todos os cais,  

e no ruído quente de todos os bares,

e caminhando ao caso nas noites 

que os outros evitaram receosos.


Em tudo isso me escrevi,

com um olhar de adeus 

onde havia uma lágrima

que humedeceu outras terras, 

muito além do solo onde cravei os pés.


Escrevi-me em cânticos inúteis 

de louvor a valores desnecessários,

e em registos de memórias merecendo serem vagas.


Escrevi-me em buscas que jamais terminarei,

e em sonhos que jamais  saberei parar de sonhar.


E parece que foi ontem,

mas nem terá sido há tanto tempo,

Que me escrevi um pouco por toda a parte.

Que me encontrei um pouco por todo o lado.

Que me li  entre pilares de pedra antiga, 

erguendo-se de águas infinitas , 

que marulharam  versos meus

até  qualquer outro horizonte,

repletos de sal e de destino.

E de lugares por saber...


6 de jul. de 2022

195 - JAMAIS TE SONHEI MAR...

 




Jamais te sonhei mar,

imensidão, infinitude.

 

Mas sempre ambicionei

que em ti o meu nado

fosse poema e deslumbramento,

carícia total em gesto conhecido,

elegância escolhida sempre.

 

Sempre quis que as palavras

fossem passos paralelos dando voz

a caminhos convergindo ao sublime.

 

Por isso nunca me seduziram os murmúrios

nem as mensagens pouco firmes das lágrimas,

em emoções que a dúvida profana.

 

Por isso nunca olhei menos longe

que a distância confortável da abstração,

onde se tornam difusas as formas e os medos.

 

Por isso nunca disse em sussurros

o que o peito me ordenava aos gritos.

 

Por isso tantas vezes calei a alegria

da erva molhada das manhãs,

insisti em não entender céus luminosos

e fiz-me surdo a dobrados de sinos bucólicos,

que me remetiam a outros tempos

-onde o tempo ainda não era um luxo

e, resultando de um lento passado,

preconizava um futuro

onde tudo estava por escrever…


CopyrightHenriqueMendes2017


28 de jun. de 2022

194 - SER DO VENTO


 

Eu não parei para escutar o Vento. Mas a sua voz chegava-me como uma carícia antiga e forte, carregando meiguice e conhecimento. Como ignorá-la?

Então entreguei-me e escutei realmente, como nunca tinha escutado antes. E o Vento falou-me de mim.

 

Sussurrou-me aos ouvidos  memórias de criança que eu nem sabia que tinha, nas quais me reconheci por entre lágrimas e alegrias. Eram as raízes das minhas escolhas, sobre as quais me construí.

 

Depois soprou-me por entre os cabelos as histórias dos meus anseios antigos,  das esperanças  e das dúvidas, do empenho dos meus passos ao longo de tantos caminhos incertos, assombrados por tudo o que podia vir a não ser.  Eram as raízes dos meus medos, atingindo-me em arrepios de pele.

 

Mais tarde, num sopro quente, o Vento lembrou-me as histórias das minhas paixões. Falou-me dos amores em que me perdi, e do quanto sofri até me perder noutros tantos que me salvaram. Eram as raízes das minhas procuras, a base de passos erráticos testando os sentimentos.

 

Soprava morno, quando me falou de esperança e de sonhos, do peito mantido aberto para a vida, esperando dela uma carícia que, tantas vezes, não veio como eu esperava. Eram as raízes das minhas ambições, e das metas que queria atingir.

 

Não foi diferente, quando o Vento me falou de morte.  Não lhe pude escutar nenhuma melodia mais triste, nos assobios esporádicos das frinchas das janelas, nem foi gélido o seu hálito. Foi apenas o Vento, mais uma vez, revelando-me as raízes comuns da dor e da saudade.

 

Mas foi especial como uma carícia, quando me falou de eternidade, e me revelou as raízes da minha vontade de criar.

 

Eu não parei para escutar o Vento. E ainda não parei de o escutar. Os meus passos continuaram firmes, como firme é a sua voz ao longo dos meus caminhos, explicando-me paisagens que eu não veria de outra forma...



CopyrightHenriqueMendes/2011

25 de jun. de 2022

193 - E SE UM DIA

 





 

... e se, um dia, eu não conseguir

renascer dessas palavras

que sempre renascem de mim,

se um dia eu não escutar

no meu íntimo um silêncio claro

onde ideias me peçam conclusões,

será então que eu vou parar

num lugar qualquer

de um qualquer lugar,

buscando uma sombra calma

onde tirar os sapatos dos pés

e, com eles fincados no chão,

sentir as vozes mais profundas

que há na terra e o seu chamamento,

se o houver.

Há-de haver águas deslizando silenciosas,

passando, macias, rumo a destinos só delas.

E outras haverá em vozes roucas, agrestes,

ásperas, mas vagas como risadas distantes,

num tremor constante eternizando

combates contra as rochas

duma costa que lhes é hostil.

Há-de haver, hei-de senti-lo,

há-de chegar-me aos pés um calor doce

de colheitas por fazer,

de flores nascendo por aí, num acaso

sem razão aparente,

e algumas vibrações rítmicas de passos

em viagens só suas.

E sonhos! Hei-de sentir a vibração

dos sonhos transformando-se em vida.

E um quase silêncio dos desapontamentos ácidos

atapetando eras inteiras.

Há-de haver risos de crianças, sem razão,

só porque sim, límpidos e despreocupados, claro,

porque não ?

Há-de haver amor, e todos os ecos de mundos

que por ele se descobriram.

E num toque mais morno,

mais indefinido e vago, sentirei aquela

tremura forte, impossível de ignorar,

das coisas realizadas, conquistadas,

obras que foram ficando...

Da terra chegarão aos meus pés forças

e chamados, atraindo-me, convidando-me a ficar,

até que acabe ficando.

 

Mas e se não for assim?

Se descobrir, surpreso, que não vai ser assim,

mas mais imediatamente,

de outra forma qualquer?

Então não pararei num lugar qualquer

de um qualquer lugar,

nem terei tempo de renascer nas palavras

com que quereria dizer adeus.

E nem fará diferença.

Talvez algum outro Poeta as encontre e,

juntos, renascerão por mim.

 

25/06/2022


1 de mai. de 2022

192 - O POEMA NÃO ESCRITO

 




 

Não te reconheceria,

se te encontrasse por aí

numa curva de algum caminho.


E, por isso, não poderia

dizer-te as palavras doces

que acasos conjuraram

para serem tuas.


Perder-me-ia nos ocasos

dos sentimentos

nunca realmente ensejados,

e nos caminhos gélidos

das palavras não ditas

que escavaram buracos de silêncio

nas encostas do mundo.


Somam-se as certezas

de que um dia foste,

fosses quem fosses,

o poema que nunca escrevi.


Somam-se as certezas

de que um dia fui

o poeta que não soube ser,

mesmo que um dia só,

um momento

que não chegou a ter significado

entre tantos que os tiveram

e que geraram palavras

que pude erguer como muralhas

contra medos e hesitações.


E desse poema não escrito então

sobram até hoje algumas sílabas,

esparsas em seus leitos de tempo,

que interrogam, questionam,

logo seguidas de outras mais fortes

que asseguram, que cimentam escolhas,

que recordam os alvoreceres

dos dias magníficos

com que me escrevi.


A vida é, toda ela,

o poema que nunca escrevemos,

sejamos lá quem formos...

 


1/5/2022


 copyrightHenriqueMendes/2022

 

 



22 de abr. de 2022

191 - A FACE DAS PALAVRAS

 





Dei às palavras face,

e logo lágrimas a sulcaram

como gotas de água escorrendo

rumo a destinos imponderáveis 

de vidraça exposta ao tempo.

 

Mas dei-lhes também o riso largo

das alegrias genuínas, em todos os detalhes

com que nasceram das minhas escolhas.

Entreguei-me a elas e dei-lhes o mundo,

dei-lhes amigos e histórias próprias,

fantasias e picos de sonhos ímpares.

 

Também juntos,

mergulhámos em abismos profanos

perdidos nos ecos de tempestades

quase insuspeitadas.

 

Caminhámos juntos por toda uma vida,

somando momentos, escrevendo momentos e

registando, como se pudéssemos guardá-lo,

o teor efémero e único dos instantes.

Mas aos poucos chegou a temida hora

de deixá-las entregues a si mesmas, para que

contem as histórias que são só minhas, não nossas.

 

E nesta despedida, nesta separação de rumos,

há já a saudade antecipada dos caminhos

que juntos fizemos. Do rio correndo,

incessante e prenhe da imensidão

onde tudo se deleitava.

 

Que agora cresçam, livres, se pudermos.

E que agora eu nasça, solto, se souber como.