17 de ago. de 2018

170 - CULPEM O VENTO




Quando os ventos não sopram,
não há planícies onde searas ondulem
nem vales onde as árvores se curvem
aos assobios insistentes que as desfolham.

Não se formam redemoinhos fúteis
na poeira dos caminhos, quaisquer que sejam,
nem há folhas mortas que se escondam
pelos cantos mais esconsos dos lugares.

Não há montanhas que os impeçam
ou lhes mudem a trajetória inexistente,
e até as velas dos barcos pendem inúteis
no sem-propósito de uma ilusão.

Mas quando as searas se vergam em ondas
duma agitação elegante e sem ninguém,
em que a palha continua perdendo grão a grão
num prenúncio de  misérias e de falta de pão...

Quando o azul dos céus torna ridículas
as queixas dos olhos, em lágrimas incompreensíveis
que logo secam, mal nascidas de algo que não se vê,
e logo desconexas de um motivo aparente...

Quando assim é, que não se inventem histórias
nem aceitemos como plausíveis ao instante
as explicações  dos que disfarçam a verdade.
Não deixemos travestir aquilo que todos já sabem.

Mesmo quando o seu sopro permanece invisível,
sabemos que foi o vento. Foi o vento...

copyrightHenriqueMendes2018

14 de ago. de 2018

169 - O BIG BROTHER TÁ DE OLHO EM VC


Resultado de imagem para TO DE OLHO EM VC


Crónica do "big brother"

Na escola, enquanto almoçávamos, havia um sujeito que circulava por entre as mesas sempre atento ao que fazíamos e dizíamos. Não tinha nenhuma função, nenhum tipo de poder, nada. Mas sempre aparecia rondando, rondando, e ia interrompendo as conversas  e dizendo pequenas coisas como " bom dia!" ou "boa tarde",  só para garantir que estavam a vê-lo prestar atenção a tudo o que era dito.

Graças a tanta interrupção, todos começaram a calar-se quando ele se aproximava. Ou então falavam de coisas sem grande sentido, como a sopa, ou o tempo. Toda a gente se sentia desagradada por sentir-se assim observada, e logo a turminha mais irreverente lhe chamou "O Sinistro". Foi uma risota geral.

Mas a verdade é que ele teimou e, com isso, rapidamente foi promovido de "Sinistro" para "Agente Secreto", e a turminha riu mais ainda quando a alcunha se agarrou a ele como um carrapato que o acompanhava para todo o lado. Por fim, até quem não era cliente do refeitório só falava dele assim, como "Agente Secreto" que, sendo conhecido de todos, todos passaram a ignorar.

Por fim, o golpe de misericórdia veio de uma forma simples. Alguém se referiu a ele como sendo o "Fiscal da Sopa" e  o título foi tão ridículo, colou tanto nele, que o sujeito nunca mais conseguiu intimidar ninguém.

Entretanto, o que nunca ninguém comentou a respeito do Agente Secreto foi que ele era realmente Sinistro. E que o título de Fiscal da Sopa se mostrou o retrato fiel da sua inutilidade.