29 de mar. de 2012

37 - OLVIDO



Não foram apenas raios, acontecendo.
Coriscos,  na soturnidade cinza dos dias...

Foram dedos cravando-se com ternura
nas montanhas túrgidas, ás vezes tão longe...
- outras tão perto como um respirar comum !

Cravando-se na simplicidade curvilínea das suas encostas,
empinadas como seios ,ante um beijo assim,
espasmódico e secreto, poderoso e inaceitável.

Rasgando as brumas quase inefáveis das lagoas
expondo-se, nuas,  metálicas,  ao luar azul
-quais territórios cúmplices,  em noturno desabrochar.

Lendo no solo os códigos primevos ,
vencendo ritos de passagem, e explorando todos
os caminhos secretos para chegar lá...

Lá, onde, passando por  entre cascatas de palavras,
que o tempo decompunha  em dourada  garoa fina,
e gestos  avassaladores, repetindo-se  vez após vez,

num raro milagre de acasos que não há,
o espírito essencial  do barro primevo
moldava-se e revelava a forma  que nos compõe.

Cipós subiram enredados pelos pulsos, improváveis
como veias pulsando o verde do acaso profundo,
tocado, transacional, absolutamente coerente...

Estabeleceu-se  uma outra estética  mais primordial, feita de alma.
E um outro ato plástico, ansiado sem chegar,
tornou-se quase visível e quase tátil

-na insubstancia  dessas mãos  descruzadas,
uma primeiro, posta para o lado, dedos nos dedos,
olhos invadindo olhos irreversivelmente,

depois a outra mão em total despojo, oferta  arfada,
harpejo. Sim.  Ferro, sim.  Desafio incandescente,
impondo-se de surpresa, interminável, impossível,

e novamente a surpresa, impedindo o grito da surpresa,
a surpresa subjugada, mas insustentável de manter,
e  por  fim  o grito rasgado,  expulso, vitorioso

Gritos em fôlego de lua, manto de magia, um após outro,
e fogueiras  de medos e pudores, e  prazeres puros,
e delícias, ah as delícias... finalmente!...E olvido.

Olvido .
Tremores. Tremores e cores !
E  um cheiro acridoce de  infinito...






(03-2012)

19 de fev. de 2012

36 - AO LADO




Um dia cheguei,
e já fui estranhando os detalhes,
ao meu redor.
Eram as mesmas coisas,
mas numa outra luz,
com sombras estranhas,
do lado errado.
Como se tivesse
mudado de rua,
ao virar da esquina,
para uma outra que nunca foi,
e me visse, agora,
a caminho de outra praça,
onde outros pombos teimosos
caminhassem acenando que sim,
como sempre fazem
aos pés de monumentos anônimos
e vagos.
Demorei-me nos pormenores
e nas trivialidades mais banais,
até me reencontrar
e recuperar os passos de casa,
para me instalar nos gestos velhos
dos antigos confortos,
onde me esqueço de tudo.
Chegado, estranhei-me
apenas a mim...    






(JUN-2007 )        

35 - DES MOTS D'AMOUR


Há aquelas palavras
com que escrevemos o mundo,
e o pintamos nas cores
do nosso entendimento.
Com elas nos afirmamos,
em frases que deixamos feitas,
e, com elas, nos saudamos,
em imensos sorrisos gramaticais.
Com elas esculpimos memórias,
perpetuadas em elegâncias de pedra eterna,
ou eternizamos glórias e conquistas,
a vermelho, sobre aço brilhante.
Há também as palavras duras,
com que repreendemos,
mais do que escrevemos,
tudo o que não cabe nas palavras esperadas,
em respostas a perguntas que ninguém fez.
Com elas limitamos territórios,
com cercas-vivas, e avisos
de coisas proibidas,
sinalizando vontades...
Com todas as palavras
escrevemos a vida, inevitávelmente,
ás vezes até com as não ditas,
usando pausas e silêncios
tornados significativos.
E há as palavras de amor...
As que se escrevem sózinhas,
em doces mistérios
de palavras-dadas,
e vidas empenhadas
em percursos paralelos.
Há outras, envolventes,
brincando de esconde-esconde,
e assim revelando intenções,
em negaças permanentes.
E há as que apenas  traduzem
momentos especiais,
e tão singulares sentimentos
que, com elas, despertamos paixões
e palavras iguais.
Todos falamos todas as palavras.
Tantas, que já nem escutamos mais...

( JUN-2007 )

13 de fev. de 2012

34 - HOJE MORO NA SAUDADE




Hoje, moro na saudade.
Naquela saudade especial,
com que os dias se tingem de dourado,
deixando para trás todas as dores
das horas tristes.

Moro na luz, por cima das colinas,
onde castelos contam histórias
de um outro momento,
em sussurros de ferro trazidos no vento,
de batalhas e sitiadas  ameias...

Moro nos altos invernosos,
entre granitos escarpados e verdes esporádicos,
lá, onde os raios assinam nos paredões de pedra
as vontades de deuses mais antigos,
que alguém nos ensinou a ignorar,
mas que nunca aprendemos a esquecer.

Moro no calçamento dos caminhos,
onde resquícios matinais de neve suja
revelam pegadas de lobos
que emprestam perigos ao mundo,
como uma chaga que não fecha,
feita da memória dos medos mais antigos.

Moro nos sabores fortes das comidas,
E no calor que vem ás mesas,em garrafas rubis,
saídas dos fundos dos quintais,
que, em linguagens próprias de abastanças,
lá, onde misérias passadas já perderam os sinais,
enchem travessas de amor, tradição e esperanças...

Moro nas histórias intermináveis das minhas gentes,
contadas como se conversa fossem,
à volta das braseiras de carvão,
nas noites longas dessas pequenas casas de pedra,
testemunhas arcaicas de rudes traços
que a civilização não apaga, nem promove,
e nem consegue totalmente esquecer.

Moro no alto das falésias sobranceiras,
em vertigens nunca totalmente contidas,
sobre umas eternas águas esmeralda,
que nem o sangue dos que partiram,
em outros rumos consumidos,
deu conta de escurecer.
Hoje moro nas vozes dos poetas,
nos fados antigos das tão cantadas vielas,
e nos trinados doces das guitarras,
enquanto choram acordes de vãs eternidades,
em carinhos de voz aguda, cantando saudades
por entre os beijos surdos de uma viola,
que alguém dedilha em alguma janela...

Hoje, moro nessas vozes perpetuadas em atos de descoberta,
e escuto-me nos amores sempre tão cantados, de Pedro por  Inês.
Perco-me,  enquanto escrevo os caminhos da minha vez,
tendo nos lábios a poesia doce do que a vida me oferta,
e na alma, um ressoar baixo, de amor profundo,
que, em voz rouca, de vez em quando me diz
que Portugal ainda é o meu país,
e que tudo o mais não é mais
que apenas
o mundo...


(Outubro, 2007)

11 de fev. de 2012

33 - AH, SE FOSSE ASSIM...



Tento escutar, escuto como se fosse um grito,
esse  sentimento represado no abandono
com que nos entregamos a cada dia que começa.

( quantos já matamos a tiros, à bruta, desnecessariamente,
desses fins de noite que são, afinal,
apenas promessas de novas manhãs...?)

Mas apenas os passos ficam mais audíveis,
nisso que podiam ser carícias, e  são apenas solas
conformando-se à pedra áspera do momento.

Nelas houvesse o encanto, que deve compor as manhãs,
e não aquele esfarelar de tempo cru,
por entre dedos descuidados...

Nelas se dissesse baixinho, quase só com a mente,
uma prece agradecendo o cheiro do pão,
e os risos nos olhos, antes de rir.

Nelas as pedras não esquecessem,
afastadas do pó,
as memórias dos caminhos...


(Agosto 2009 )

10 de fev. de 2012

32 - SAUDADE


Últimamente, dei  por mim a pensar em saudade.
Não aquela coisa agridoce.
Não apenas isso a que uma palavra veio dar substância,
em  olores  de exclusividade lusa e inclemente.

Mas a fome na alma, enfática,
o buraco negro  perseverante, chato,
que me vem reordenando os sentidos e
resignificando  gestos que eram livres,
e agora já não são...

Nas memórias, sobrenadam nadas,
coisas hoje sem aplicação, de menino.
( Vista da cama, a ponta do ramo do pessegueiro
nasce na janela, fininha, só com três folhas.
Não pode comigo. Não posso descer .
Em baixo há arame farpado.
E ao longe o mar azul nos meus olhos castanhos,
gritando distância. )

Nas vontades,
misturam-se  sabores de momentos  espalhados,
como pérolas correndo soltas pelo soalho.
Querer mergulharoutra vez junto ás rochas,
lá   onde as ondas  mentem  trajetórias de espuma
( E como é salgado o sangue, mesmo no mar...).

Nos remorso, empoeirado embora,
escutar sem apelo o queixume subterrâneo de um chão
que pouco me viu fazer,
e o ciúme dos passos  que espalhei de mim pelo mundo
como se fossem palavras num papel.

Gotas de tinta, transformando-se  em linhas,
erráticas, somando-se até serem um eu concreto,
crescente, pesado de manter.

Nas alegrias, desnudando-me de valores,
sentir sobre mim a luz suave dessa benção maior
de ser assim, sentir as coisas, vibrar com elas,
até saber-lhes as histórias e os caminhos.

E na dor, a memória vívida de tudo quanto é bom
cruzando-me o peito ...

Como uma cicatriz.

16 de dez. de 2011

31 - CONTO DE NATAL DE 2011



Todos os anos, nesta época, costumo visitar uma cidade relativamente próxima e regressar só no fim do dia. E todos os anos tenho encontrado  um personagem curioso, abusado, vestido de Papai Noel, que, de uma forma ou de outra, sempre encontra uma maneira de  me importunar, seja pedindo-me alguma coisa, seja  apenas falando sem parar.
Noto que as pessoas o evitam com um sorriso, fogem da sua irreverência algo desmedida, da sua voz trovejante e da falta de limite das suas palavras.
No dia em que o vi pela primeira vez,  o garçon acabara de perguntar-me  o que queria para acompanhar o bife que encomendara, se arroz, se batata, e eu respondera: “Batata!”.  Então o Papai Noel  chegara de repente, sentara-se á minha mesa, e dissera que queria a mesma coisa, sorrindo sempre, olhando alternadamente de mim para o garçom, até que concordei. Afinal, dentro de alguns minutos eu sairia dali num ônibus e não voltaria a vê-lo. Podia perfeitamente pagar-lhe uma refeição decente.
O garçon afastou-se,  e foi então que ele se apresentou. Estendeu para mim uma mão muito suja, que hesitei em apertar, e disse com um sorriso alvar onde faltavam dentes:
-Muito obrigado!  Estou com uma fome de leão ! E deixe-me aproveitar para apresentar-me: - Eu sou o Papai Noel !  Você eu já sei: - é o Batata !
 -Hem ?  Não... Que é isso ???  Eu sou o...
-Batata !
 Não adiantou espernear. Fiquei sendo o Batata.
 E nos anos seguintes, naquele mesmo barzinho sempre meio vazio, enquanto como alguma coisa durante o tempo de espera pelo ônibus, sempre acabo encontrando Papai Noel. E sempre acabamos comendo juntos e conversando, de tal maneira que o garçon, aquele cretino,  – que hoje já é outro – me trata por Dr. Batata, e sempre coloca dois lugares á mesa.
E sempre  Papai Noel chega vindo do nada, nas mesmas velhas roupas surradas, de bolsos enormes, ruidoso, espalhafatoso, sujíssimo. E  já várias vezes perdi o ônibus, e acabei tendo  de tomar um outro mais tardio, por conversarmos tanto. Mas nunca o interroguei a respeito de ser ou não Papai Noel, e ele nunca disse nada menos condicente com o personagem que representa há tanto tempo.
 Este ano, decidi finalmente interpelá-lo. Talvez até entrevistá-lo. Porque não ?
Assim, estava já sentado á mesa quando escutei nas minhas costas o seu vozeirão poderoso, falando em espanhol “- Eres tu, Batata ? ” 
Sorri por dentro, e a força que tive de fazer para não o deixar perceber esse sorriso, a minha alegria por  reencontrá-lo deu-me  a dimensão exata da ansiedade com que eu aguardava este encontro. Levantei-me e abracei o meu velho amigo Papai Noel.
-Si ! Yo mismo ! Pero ahora hablas español ? – perguntei, olhando-o no rosto muito escuro, contrastando com o cabelo muito branco.
-Es que asi no necesitas traducirme !  Verdad ? –  o seu sorriso  era  desconcertante.
-Sabes que este ano quero fazer da nossa conversa uma entrevista?
-Claro !
-Mas como sabes?
-Tinha que acontecer, mais cedo ou mais tarde. Sempre percebi  isso, nas perguntas contidas, que não te atrevias a fazer...E há coisas que um velho Papai Noel sabe por instinto...digamos que são privilégios da velhice...
-Acho que eu fui muito transparente...
-Ah, sim...muito ! – riu ele.
-Então, se és mesmo Papai Noel, porque nunca me deste um Presente de Natal ?
-Hum...vejamos...Quantas pessoas conheces aqui nesta cidade?
-Aqui na cidade não conheço ninguém. Só tu.
-E eu não sou daqui. Eu apenas te procurei, te ofereci a minha mão e a minha companhia.
Eu ri-me, divertido.
-Companhia que foi  jantando ás minhas custas, estes anos todos !
-Bem...Isso foi um detalhe, só para tua satisfação pessoal ! Ficaste feliz, por achares que me podias perfeitamente pagar uma refeição decente. Não foi ? Confessa, vá...
 -Bem… Sim, é verdade...
-Então, aí está...Eu fui o teu presente, todos estes anos.
-Bem...Sim, mas...
-Entonces….vamos a cenar, hombre ! Podemos falar enquanto comemos.
-Está certo ! Não deixa de ser verdade. Confesso que estou um pouco desorientado...
-Acalma-te !  Pergunta o que quiseres...


-Bom, diz-me o teu nome, então...
-Santa Klaus !
-Ah não !  Assim não !  Tu és negro !
Ele parecia surpreendido.
 -Sim !  Desde niño  ! Faz tempo, isso !
-E onde está o trenó, que eu nunca o vi ?
-Bem, sabes...é muito difícil de usar sem neve...
-Mas o teu trenó voa ! Não precisa de neve...
Ele aproximou a cabeça da minha, por cima dos pratos.

- Consegues mesmo acreditar nisso ? E mesmo que fosse verdade,  já viste como está a situação dos aeroportos?

Fiquei sem respostas. Entretanto, a comida chegou. Fomos comendo quase  em silêncio. Num estacionamento  vazio ali perto, um grupo de garotos estava sentado no chão, sem fazer nada. Então, sem interromper o que me estava dizendo, Papai Noel  levantou-se, abriu a janela e tirou do bolso uma bola de tênis amarela, novinha em folha.  Deu um grito para os meninos e atirou-a na direção deles, lá para fora.  Depois sentou-se de novo, e continuou comendo e conversando.

Em pouco tempo a criançada lá fora já jogava um jogo impossível de descrever, com uma bola amarela e improvável. Ele ria, olhando para eles, enquanto conversávamos sobre outras coisas. Aos poucos voltávamos à entrevista.

-E as renas? – perguntei suspeitoso. – Como se chamavam as renas?

-Bobi !

-Bobi ? – repeti eu escandalizado – Mas isso é nome de cachorro!

-Ah é ? – disse ele com um ar muito inocente…

-Claro que é ! O que aconteceu com Rudolpho e as outras , hem ?

-Não sei, nunca as vi ! Quando assumi o cargo aqui, já então não havia renas. Ouvi falar de um churrasco, há muito tempo...

-Churrasco?  Mas isso é uma loucura ! Isso é coisa que se diga?

-Calmate, hombre. No sei se é verdade. Mas nunca as vi.

Comecei a entender tudo. Ele não era o Papai Noel.  Só de nome.

- Entendo...E para as tuas deslocações usas...

- Ah, um velho furgão da Ford, de quem ninguém suspeita, eh eh eh !

- E o que aconteceu ao célebre  "HOU, HOU, HOU" ?

- Isso é só mesmo quando há meninos por perto, claro. Ninguém se ri assim, não achas ?

- Bom, isso é verdade... Mas...e o saco dos presentes...Também não usas, é claro !

- Saco, saco...não uso. Mas olha o tamanho dos meus bolsos... Muito mais práticos. E hoje em dia os presentes são muito menores que dantes.  É um pendrive. É uma caneta bonita. Uns brincos com brilhantes. Um alfinete de gravata...Uma lingerie mais sexy...

- Hein ? – Eu mal acreditava em meus ouvidos. Estava chocado! – Mas isso não são coisas que se possa dar às crianças.  Crianças gostam de brinquedos, bicicletas, carrinhos, bonecas, coisas assim...!

- Nááá!...Eu prefiro os adultos...É uma questão de lógica. Se ajudares os adultos, eles vão dar melhores presentes ás crianças. Se eles estiverem felizes, com o espirito de Natal, eles vão  levar o espirito de Natal para suas casas e ensinar às crianças o espirito de Natal...e isso é o que importa. Não achas ?

Eu fiquei sem saber o que dizer, perante aquele papai Noel negro, sujo, de quem era amigo e com quem jantava hà tantos anos, sempre no mesmo lugar, que nunca vira renas nem trenó, que se achava o meu presente de Natal, apesar de jantar sempre às minhas custas.

Minha cara devia traduzir a minha surpresa, porque papai  Noel riu-se  e disse-me: - Não fiques assim, chocado comigo. A vida é como é. E não é mais do que apenas um sonho, tal como  resolvemos sonhá-lo.

Enquanto  houver espaço no teu sonho para um Papai Noel  com um saco ás costas, descendo pelas chaminés e distribuindo presentes para os meninos - assim será ! Enquanto houver espaço para um trenó puxado por Rudolpho e as outras Renas, guizos soando na noite, e um trenó mágico, voador, que não precisa de neve e voa pelos ares rumo ao Polo Norte, onde fica a fábrica de brinquedos de Papai Noel – não será de outra forma, nunca.

Eu olhava para ele, sentindo que algo importante estava acontecendo ali, naquele momento, e então ele continuou:

-Mas pode ser que um dia só caiba no teu sonho um Papai Noel mais simples, menos mágico e mais humano, que não chegue a tantos lugares. Talvez nem voe pelos ares, num trenó, mas que talvez  tente ajudar aqueles de quem se aproxima – talvez só com pequenos gestos;  um pouco de companhia; uma bolinha barata para os meninos pobres; um saco de comida para os cachorros de rua; qualquer coisa que talvez nem componha um sonho muito grande.  Pode ser um Papai Noel branco, negro, mestiço, de qualquer cor – não vai fazer diferença nenhuma, o Natal é só um dia, no ano. Mas um sonho é um gigante que não morre.

Então, súbitamente, Papai Noel  levantou-se.  E de um dos seus bolsos tirou uma caixa que me entregou.

-Agora tenho de ir-me ! – disse.- Este ano, o meu último ano como Papai Noel,  houve espaço no meu sonho para trazer-te um presente. Quem sabe se no próximo ano haverá espaço no teu sonho para usá-lo ?

Abracei o meu velho amigo, e virei-me procurando uma mesa sobre a qual abrir o presente que me oferecera.  Quando voltei a virar-me para ele, ele jà tinha partido, sem que eu me apercebesse. Voltei a olhar o presente. Em cima da mesa estava uma roupa completa de Papai Noel, novinha e brilhante, com um cartão que dizia: “ As botas, compra você, tá ? “

A minha risada soou um pouco alta demais.  Entretanto, o garçon aproximara-se da janela e ria também. Os meninos do estacionamento tinham interrompido o jogo e assistiam a um fogo de artificio que vinha de um velho furgão Ford estacionado lá ao fundo, ao lado de uma arvore de Natal toda iluminada.

Fui á janela também para assistir, e a criança que ainda há em mim maravilhou-se com as luzes e as cores e as risadas das crianças e das pessoas que passavam.

E não vi nenhum trenó, mas juro que ouvi uns guizos que não esperava e, por cima de tudo aquilo uma inesperada risada de "HOU,HOU,HOU"... pareceu pairar por sobre toda a cidade.

Voltei a olhar a roupa.

Pensei:  ”-No próximo ano, quem sabe?”


(Dez 2011)