19 de fev. de 2012

36 - AO LADO




Um dia cheguei,
e já fui estranhando os detalhes,
ao meu redor.
Eram as mesmas coisas,
mas numa outra luz,
com sombras estranhas,
do lado errado.
Como se tivesse
mudado de rua,
ao virar da esquina,
para uma outra que nunca foi,
e me visse, agora,
a caminho de outra praça,
onde outros pombos teimosos
caminhassem acenando que sim,
como sempre fazem
aos pés de monumentos anônimos
e vagos.
Demorei-me nos pormenores
e nas trivialidades mais banais,
até me reencontrar
e recuperar os passos de casa,
para me instalar nos gestos velhos
dos antigos confortos,
onde me esqueço de tudo.
Chegado, estranhei-me
apenas a mim...    






(JUN-2007 )        

35 - DES MOTS D'AMOUR


Há aquelas palavras
com que escrevemos o mundo,
e o pintamos nas cores
do nosso entendimento.
Com elas nos afirmamos,
em frases que deixamos feitas,
e, com elas, nos saudamos,
em imensos sorrisos gramaticais.
Com elas esculpimos memórias,
perpetuadas em elegâncias de pedra eterna,
ou eternizamos glórias e conquistas,
a vermelho, sobre aço brilhante.
Há também as palavras duras,
com que repreendemos,
mais do que escrevemos,
tudo o que não cabe nas palavras esperadas,
em respostas a perguntas que ninguém fez.
Com elas limitamos territórios,
com cercas-vivas, e avisos
de coisas proibidas,
sinalizando vontades...
Com todas as palavras
escrevemos a vida, inevitávelmente,
ás vezes até com as não ditas,
usando pausas e silêncios
tornados significativos.
E há as palavras de amor...
As que se escrevem sózinhas,
em doces mistérios
de palavras-dadas,
e vidas empenhadas
em percursos paralelos.
Há outras, envolventes,
brincando de esconde-esconde,
e assim revelando intenções,
em negaças permanentes.
E há as que apenas  traduzem
momentos especiais,
e tão singulares sentimentos
que, com elas, despertamos paixões
e palavras iguais.
Todos falamos todas as palavras.
Tantas, que já nem escutamos mais...

( JUN-2007 )

13 de fev. de 2012

34 - HOJE MORO NA SAUDADE




Hoje, moro na saudade.
Naquela saudade especial,
com que os dias se tingem de dourado,
deixando para trás todas as dores
das horas tristes.

Moro na luz, por cima das colinas,
onde castelos contam histórias
de um outro momento,
em sussurros de ferro trazidos no vento,
de batalhas e sitiadas  ameias...

Moro nos altos invernosos,
entre granitos escarpados e verdes esporádicos,
lá, onde os raios assinam nos paredões de pedra
as vontades de deuses mais antigos,
que alguém nos ensinou a ignorar,
mas que nunca aprendemos a esquecer.

Moro no calçamento dos caminhos,
onde resquícios matinais de neve suja
revelam pegadas de lobos
que emprestam perigos ao mundo,
como uma chaga que não fecha,
feita da memória dos medos mais antigos.

Moro nos sabores fortes das comidas,
E no calor que vem ás mesas,em garrafas rubis,
saídas dos fundos dos quintais,
que, em linguagens próprias de abastanças,
lá, onde misérias passadas já perderam os sinais,
enchem travessas de amor, tradição e esperanças...

Moro nas histórias intermináveis das minhas gentes,
contadas como se conversa fossem,
à volta das braseiras de carvão,
nas noites longas dessas pequenas casas de pedra,
testemunhas arcaicas de rudes traços
que a civilização não apaga, nem promove,
e nem consegue totalmente esquecer.

Moro no alto das falésias sobranceiras,
em vertigens nunca totalmente contidas,
sobre umas eternas águas esmeralda,
que nem o sangue dos que partiram,
em outros rumos consumidos,
deu conta de escurecer.
Hoje moro nas vozes dos poetas,
nos fados antigos das tão cantadas vielas,
e nos trinados doces das guitarras,
enquanto choram acordes de vãs eternidades,
em carinhos de voz aguda, cantando saudades
por entre os beijos surdos de uma viola,
que alguém dedilha em alguma janela...

Hoje, moro nessas vozes perpetuadas em atos de descoberta,
e escuto-me nos amores sempre tão cantados, de Pedro por  Inês.
Perco-me,  enquanto escrevo os caminhos da minha vez,
tendo nos lábios a poesia doce do que a vida me oferta,
e na alma, um ressoar baixo, de amor profundo,
que, em voz rouca, de vez em quando me diz
que Portugal ainda é o meu país,
e que tudo o mais não é mais
que apenas
o mundo...


(Outubro, 2007)

11 de fev. de 2012

33 - AH, SE FOSSE ASSIM...



Tento escutar, escuto como se fosse um grito,
esse  sentimento represado no abandono
com que nos entregamos a cada dia que começa.

( quantos já matamos a tiros, à bruta, desnecessariamente,
desses fins de noite que são, afinal,
apenas promessas de novas manhãs...?)

Mas apenas os passos ficam mais audíveis,
nisso que podiam ser carícias, e  são apenas solas
conformando-se à pedra áspera do momento.

Nelas houvesse o encanto, que deve compor as manhãs,
e não aquele esfarelar de tempo cru,
por entre dedos descuidados...

Nelas se dissesse baixinho, quase só com a mente,
uma prece agradecendo o cheiro do pão,
e os risos nos olhos, antes de rir.

Nelas as pedras não esquecessem,
afastadas do pó,
as memórias dos caminhos...


(Agosto 2009 )

10 de fev. de 2012

32 - SAUDADE


Últimamente, dei  por mim a pensar em saudade.
Não aquela coisa agridoce.
Não apenas isso a que uma palavra veio dar substância,
em  olores  de exclusividade lusa e inclemente.

Mas a fome na alma, enfática,
o buraco negro  perseverante, chato,
que me vem reordenando os sentidos e
resignificando  gestos que eram livres,
e agora já não são...

Nas memórias, sobrenadam nadas,
coisas hoje sem aplicação, de menino.
( Vista da cama, a ponta do ramo do pessegueiro
nasce na janela, fininha, só com três folhas.
Não pode comigo. Não posso descer .
Em baixo há arame farpado.
E ao longe o mar azul nos meus olhos castanhos,
gritando distância. )

Nas vontades,
misturam-se  sabores de momentos  espalhados,
como pérolas correndo soltas pelo soalho.
Querer mergulharoutra vez junto ás rochas,
lá   onde as ondas  mentem  trajetórias de espuma
( E como é salgado o sangue, mesmo no mar...).

Nos remorso, empoeirado embora,
escutar sem apelo o queixume subterrâneo de um chão
que pouco me viu fazer,
e o ciúme dos passos  que espalhei de mim pelo mundo
como se fossem palavras num papel.

Gotas de tinta, transformando-se  em linhas,
erráticas, somando-se até serem um eu concreto,
crescente, pesado de manter.

Nas alegrias, desnudando-me de valores,
sentir sobre mim a luz suave dessa benção maior
de ser assim, sentir as coisas, vibrar com elas,
até saber-lhes as histórias e os caminhos.

E na dor, a memória vívida de tudo quanto é bom
cruzando-me o peito ...

Como uma cicatriz.