11 de mai. de 2012

45 - NÃO SEI DOS OUTROS




Não sei dos outros, só de mim.

Sei onde as palavras nascem  e se impõem á minha vontade, dum jeito todo delas, que quase sempre é maior que as minhas escolhas. Sei da surpresa que sobrevém, na leitura, ao ver o formato que as palavras tomaram para passar adiante as idéias que as fizeram nascer. É como ler outro autor desenvolvendo um tema que eu escolhi. O tema é-me familiar. A forma que o veicula, não.

Talvez isso ocorra porque as palavras são o sangue do momento, correndo espesso nas fúrias e aguado  no sentimento. Exatas na concisão necessária, e difusas na abrangência preparatória a um determinado estado de espírito. Penhores, quando promessas, mas livres por nascimento. Tendenciosas ao persuadirem, e reveladoras quando confessam.

No que me diz respeito, até as ausências formam palavras. Cruas, quando apenas revelam faltas. Necessárias, quando abrem um espaço, e uma pausa para discussão. Fatais, quando inocentam mas não convencem.  Cruéis, quando maiores que o necessário.

E há também as presenças, nas palavras. As vozes dos outros explicando tão bem o que quereríamos dizer com palavras nossas, que não adianta nem tentar  encontrar formas  melhores de fazê-lo para acabar dizendo apenas isso mesmo.

Talvez seja aqui que acontece o poeta. Aquele que aparece com o enfoque sensível que queríamos que fosse nosso, e traduz em palavras maravilhosas as emoções que ainda só conseguimos expressar de formas mais rudes. Emoções que  ainda verbalizamos mal, mas das quais conhecemos o potencial de beleza, apenas ainda inalcançado.

Nesse sentido, é um ladrão, o poeta. Porque pega o momento, extrai-lhe a beleza que lhe encontrou, e congela-a numa outra escala de tempo, onde ela para sempre existirá sob esse formato enaltecido que agora é dele, marcado com seu ferro pessoal, revelado aos outros, mas negando-lhes a autoria.

No entanto,  a esse instante de beleza eternizada, repercutido em muitas sensibilidades,  somam-se muitos outros instantes, nascidos de tantos outros poetas que congelaram uma miríade de momentos só seus. E, nesse sentido, o Poeta é um multiplicador, dando aos outros uma base que eles tornarão sua, e que os estimulará para as suas próprias interpretações do belo.

Por isso a Poesia progride como uma onda de beleza inescapável, movimentando-se com inércia própria num percurso jamais repetível, que deveria direcionar-nos para uma pergunta de extrema humildade: - é o poeta quem faz a poesia, ou será que apenas a persegue?

Não sei. Um dia copiei á mão um poema e guardei-o. Muito tempo depois mostrei essa cópia a quem o tinha escrito, para que soubesse  como o havia tornado meu, e que fazia parte dos meus guardados favoritos, apesar de saber que não fora escrito em minha intenção. Com isso prestei a minha homenagem ao momento imortalizado, mostrando como me tocara e como lhe dava continuidade.

Talvez por esse motivo, hoje, eu escrevo prosa.  Amanhã, veremos.

Um comentário:

  1. Feliz aquele que sabe de onde nascem as palavras, mesmo que estas se imponham à sua vontade nas escolhas. Na verdadeira literatura, a partir de um dado momento, um texto gera-se quase que autônomamente. Auto-corrige-se. Auto-comenta-se. E informa ao autor (se é que ainda existe um) do seu valor intrínseco, da sua validade em relação ao que foi idealizado e sua realização.

    Oportuno e lúcido o que você fala da expressão poética e da beleza imagística da expressão que resta em uma espécide de permafrost literário. À imagem de Prometeu, faz-se aqui o poeta um ladrão do fogo límpico, aqueles que só roubavam a quem eles amavam.

    Seus textos de prosa, meu amigo Henrique, são tão poéticos quanto seus poemas são textos de prosa. Essa biunivocidade é própria daqueles em que a expressão e a sensibilidade da percepção reflexiva, trafega já em um mundo sin mas fronteras. Continue dando-nos a ambrósia de suas belas letras, pura e simplesmente. Magistralmente. Um forte abraço, André

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