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26 de dez. de 2021

189 - AGORA QUE O NATAL JÁ PASSOU

 



Na semana passada, ainda faltavam alguns dias para o Natal, eu ainda não sabia o que fazer para dar continuação ao meu hábito de escrever um pequeno texto onde mostro os sentimentos residuais desse ano que se aproxima do fim.

Mas numa hora em que fui ao café ali da esquina, comer um bolinho e beber “uma bica” ( que é a nossa maneira tuga de dizer "tomar um cafézinho" ), esse problema resolveu-se e eu passei a saber exatamente o que escrever.

Na mesa ao lado da minha, duas comadres conversavam a respeito do Natal. Uma delas, muito despachada e com o cabelo cortado à homem, dizia à outra que o Natal não era nada dessas coisas das lojas e dos presentes, dos meninos pedindo coisas ao Pai-Natal ( que é o Papai-Noel ), tirando fotos com um barrigudo vestido de vermelho e com barba branca.

Queixava-se do excesso de consumismo, usava daquelas palavras que os políticos usam, e lá ia dizendo que a tradição dos presentes era uma porcaria, que era uma injustiça para alguns, e nítidamente dizia coisas sobre as quais nunca tinha pensado sequer um minuto. Além disso,usava uma linguagem com tantos palavrões que me fez pensar que, no resto do ano, ela com toda a certeza não seguia em nada essa tradição mais religiosa e austera que ela agora, publicamente,  achava que devia ser seguida por todos.

A outra comadre, claramente uma pessoa de poucas posses, gordinha e com ar de ser vovó de alguém, usava um casaquinho de malha já bem puído pelo uso. Acenava concordâncias com a cabeça sem dizer quase nada, enquanto ia olhando meio-triste para a chícara de café já vazia.

Tinha pendurada nas costas da cadeira uma sacola de plástico com alguns presentes comprados na loja do chinês, ali do lado, todos eles pequenos e embrulhados no mesmo papel verde com bolinhas brancas, que eram ornamentados com laçarotes de fita vermelha.

Imaginei que ela devia ter passado bastante tempo na loja até que um grupo de meninas fizesse os pequenos embrulhos de presente. Eu conheço o dono da loja e sei que todos os anos ele tem de contratar gente para embrulhar as compras dos clientes nesta quadra festiva.

Nas costas da primeira comadre, não havia sacola de espécie nenhuma. Por cima dos ombros dela, enquanto a escutava falando sem parar, olhei lá para fora e vi a agitação da rua. Observei os carteiros que saíam da estação dos correios que havia ali do lado carregando grandes sacos  cheios de encomendas para entrega. Colocavam-nos no carro e voltavam várias vezes para buscar mais antes de começarem a sua distribuição.

Enquanto isso, ao café onde estávamos chegavam dois homens entregando uma grande quantidade de caixas de bolo-rei, que é o nosso bolo tradicional desta época. Desses bolos, aqueles que não foram levados imediatamente por fregueses que já tinham comprado e pago, e que apenas os aguardavam, foram empilhados sobre uma mesa que tinha sido colocada na ponta do balcão para recebê-los. Duas meninas, contratadas durante a época de Natal para esse fim, cuidavam de embrulhá-los e entregá-los. Todo o café estava ornamentado com fitas coloridas e bolinhas brilhantes de cores muito alegres.

Pensei na minha própria família, nos presentinhos que sempre nos damos nesta época, na alegria que sentimos quando nos juntamos junto à arvore de Natal, e rápidamente a conversa das duas comadres se tornou sem interesse.

Por um momento desliguei-me delas enquanto pensava nos milhões de pessoas que, no mundo inteiro, trabalham em fábricas que produzem artigos para consumo na época de Natal. Pensei naqueles que fabricam os papeis de embrulho, maravilhos e brilhantes, nos que fabricam as fitas, as bolinhas para enfeitar as àrvores, nos que fabricam brinquedos para as crianças, nos que fabricam roupas, velas, caixinhas, canetas, sapatinhos, gorros... Tudo! Pensei nos que escrevem livros, nos que contam histórias, nos que fazem músicas, programas de televisão, filmes, trenós, enfeites...

Enquanto pensava em tudo isso, veio à minha cabeça como foi forte a mensagem desse homem que um dia, há mais de dois mil anos atrás, veio ao mundo e nos marcou tão profundamente com a sua simplicidade e o seu exemplo. O Natal, a celebração do nascimento desse homem extraordinário, criou um consenso de tal ordem que o planeta inteiro, independentemente das crenças e da fé envolvida, independentemente da situação de paz ou de guerra, independentemente de tempos mais ou menos difíceis, se foca em torno dessa data, e a celebra. Um único dia no ano, todo o planeta, todos os países, todas as gentes celebram o Natal.

E apesar de haver exceções, como a esmagadora maioria das pessoas no mundo nesse dia opta por aquela que é uma mensagem de amor e de esperança, se vira para a família e escolhe o melhor em vez do pior, tenta genuínamente melhorar aquele pedacinho de mundo onde vive, acrescentando-lhe beleza e brilho, fantasia e boas intenções, eu continuo achando que jamais devemos deixar que se perca a mensagem dessa celebração que mexe com o imaginário e a fantasia de todos nós. Para mim, com todos os defeitos que possa ter, o chamado consumismo gera empregos e dá pão a quem trabalha, e permite que o sonho que aproxima as pessoas da mensagem de Natal se concretize.

A minha atenção voltou depois a focar-se nas duas comadres na mesa ao meu lado quando, súbitamente, aquela que falava que nem uma matraca se calou. Olhei para elas. A outra com ar de vovó tinha-se levantado da sua cadeira e  agarrava agora num dos presentes que trazia na sacola com ambas as mãos. Oferecia-o em silêncio, emocionada e com um sorriso, à sua amiga, que ficou sem palavras.

No silêncio que se seguiu nasceu tudo o que eu queria escrever este Natal:

“Somos nós quem faz as Boas Festas. Que a fantasia e a imaginação, tão vívidas nos rostos das nossas crianças ao receberem presentinhos e celebrarem o Natal, nos sirvam de guia. Não deixemos que falsas discussões desvirtuem a mensagem de amor que o nascimento de Jesus contém.”

 

Boas Festas !!!


27 de out. de 2021

188 - REVISITANDO FOTOS ANTIGAS

 



Hoje abri uma caixa de fotos antigas às quais não prestava atenção há muito tempo. Encontrei-me em muitas, ainda criança em algumas, e noutras já em outras idades.

Sempre acho muito curioso este tipo de reencontro com imagens de nós mesmos e, no meu caso, sempre fico um pouco nostálgico quando me disponho a essa espécie de ritual de ir observando foto atrás de foto, tentando situar-me no tempo em que cada uma foi tirada, identificar nelas outras pessoas presentes, comparar diferenças entre os objetos de então e os de hoje, as roupas, as cores, enfim, tudo o que de alguma forma estranhe ou sinta diferente.

Creio que isso é o que todos nós fazemos, quando olhamos fotos antigas, apesar de ter a certeza que a forma de fazê-lo muda um pouco de pessoa para pessoa. Hoje, porém, ou por estar mais disposto ou por ter mais tempo disponível, talvez por não estar a pensar muito no que estava a fazer, sucedeu-me algo que ainda não tinha experimentado antes.

Estava a ver fotos que não tinha dificuldade de identificar, onde surgiam pessoas que também conheço desde sempre, e por isso não me surpreendiam os detalhes - razão pela qual estava relaxado e sem procurar minúcias e detalhes, como normalmente faço. E foi então que, olhando uma foto em que eu estava presente, fui além de me achar nela, recordar o momento e o lugar, e os outros presentes.

Além de tudo isso recordei claramente o que eu estava a pensar naquele momento enquanto, alguém tirava a foto. Recordei claramente o que alguns dos presentes estavam a dizer, o contexto em que tudo se passava, e o aborrecimento imenso que isso me causava. Não sei bem como explicá-lo, mas recordar assim foi algo estranho e muito belo.

Curiosamente, a minha expressão na foto não traduzia de forma nenhuma esse enfado, nem sequer um pouco da desilusão que sentia na altura em que tudo estava a passar-se. Na imagem, apareço atento e sério, contido mas observador. Ninguém seria capaz de adivinhar, pelo meu aspeto, o que me ia na mente.

E hoje, ao lembrar-me exatamente de quais estavam a ser esses meus pensamentos, e ao ver como eles não transpareciam na expressão que exibia, admito a possibilidade de ter descoberto o momento exato ( e de haver um registo fotográfico dele, que só eu conheço ) em que verdadeiramente comecei a crescer como indivíduo consciente, capaz de reservar para mim mesmo a minha opinião e o que pensava, simplesmente por não achar necessário intervir ou compartilhar nada disso. 

Hoje em dia, quando escrevo, mesmo que não seja opinando ou criticando, deixo conscientemente que transpareça de mim o que penso e sinto sobre aquilo que escrevo, ao contrário do que fiz naquelas fotos que alguém tirou e que só vim a conhecer muitos anos depois. E apesar de isso ser o oposto exato do recolhimento em que hoje me vi nelas, permite-me cumprir o mesmo objetivo no tempo e voltar a encontrar estados de espírito e memórias, pensamentos e vontades, e sentimentos guardados preciosamente para um dia.

Eis porque admito que a minha escrita, os meus textos, são como fotos antigas cada um deles. Que depois me permitem ver como cresci ou mudei, e como me contive ou não em todo esse processo de registar a vida e os instantes. 

Um dia encontrar-me-ei comigo, em cada um deles, e reconhecer-me-ei. E depois decidirei o que faço com isso, se é que posso fazer alguma coisa. 


25 de dez. de 2017

157 - 2017, PALAVRAS DE NATAL DE UM ANO COMPRIDO







Mantenho a tradição e escrevo algumas linhas de fim de ano, como faço sempre, sem saber bem porquê.
Claro que não há nisso um lucro muito evidente, mas gosto de pensar que a mais este ano conseguimos sobreviver, eu e aqueles que me lerem.
De todos os anos, há uma espécie de substrato emocional que fica. É algo assim como aquela última gota de sumo que, se quisermos, conseguimos ainda obter duma laranja que já foi espremida até ao fim.
Apertamos, apertamos mais e mais, com a mão já tremendo por causa do esforço, e por fim lá aparece a gotinha, isolada e tímida, a agarrar-se aos dedos como se estivesse reticente em soltar-se deles e pingar para o copo.
Assim mesmo, sendo a última, traz todas as memórias do fruto. E é por essa derradeira gotinha que o lembraremos, bom ou mau, doce ou amargo, com satisfação ou com desilusão. Ou algo indiferentes por não ter sido nada de especial.
Para mim, o ano que finda é como essa última gota. E  é com essas linhas que sempre escrevo que guardo o tom,  a sua vibração  e impacto na minha vida, enfim, o sabor do ano que passou.
Claro que toda a avaliação é pessoal, e escolho ficar em silêncio quanto aos detalhes mais particulares e  mais corriqueiros da minha vida, dos quais não poderia queixar-me.
Mas no todo, foi um ano amargo e cheio de catástrofes, no meu país como em muitos outros. Algumas delas naturais, como incêndios, tornados, terremotos.
Outras, menos naturais, foram-se sentindo à medida que foram ficando claras algumas realidades. Por exemplo, foi-se tornando óbvio, claríssimo, que o nosso planeta está muito mais ameaçado do que se pensava.
Para não mencionar mais nada, milhões de pessoas morrem de sede, e a água já é uma commodity de lucro garantido.  Apetece perguntar se falta para que o seja.
O tanto que fizemos de errado, por puro desconhecimento e ignorância, é gigantesco. E o que fizemos de errado, mesmo com conhecimento  e sem poder alegar a ignorância como desculpa, é mais do que gigantesco - é criminoso. 
Vertiginoso e infame, porém, é o que não fizemos. O que deixou de ser feito, mesmo sabendo do que se estava  a passar. É uma vergonha !
Isso e a noção de que o cidadão, individualmente,  pouco pode fazer para mudar seja o que for,  deixa muito evidente o que tem sido a actuação dos políticos de hoje no mundo todo.
De substancial não fizeram quase nada, além de aperfeiçoaram a política como método. Evoluíram-na, de algo que era uma espécie de arte na convivência inter pares daqueles que se dedicavam a ela, servindo o povo, para uma ciência fria e abstrata que os perpetua no poder em jogos de compadrios, transformando o povo num rebanho sem esperança e sem voz, obediente por falta de opções reais.
Hoje, os políticos, todos eles em nome dum vago povo de costas largas, são quem manda e desmanda.  Não são mais servidores do povo a quem fingem servir e proteger.
Dos seus desmandos, corrupção e falta de mandos, tornaram-se claras algumas consequências impensáveis e imprevisíveis.
Tornou-se público que nunca houve tanta escravatura como hoje, no mundo. Nunca os escravos foram tão baratos, na História da Humanidade. Pelos cálculos mais amplamente aceites, é de crer que existam entre 12,3 milhões e 27 milhões de escravos apesar dos mais de 300 tratados internacionais e convenções, produzidos pelos políticos, que exigem o fim da escravatura. Fazê-los é fácil e dá votos. Fazê-los cumprir na prática é toda uma outra conversa.
Também se tornou público que o mundo mudou, em grande parte devido à crescente electrónica de consumo, que possibilitou como nunca antes um acesso fácil e muito rápido à informação através das redes sociais. E tudo isso é desejável, social e economicamente. Mas está tendo preços altos sobre o dia a dia. 
Aquela imprensa tradicional, reconhecida como bastião da liberdade, perdeu terreno e agoniza perante a onda gigante de iletrados e desinteressados - tendo sido a existência de  ambos estes grupos convenientemente estimulada em prol da apatia.
Essa imprensa está hoje extremamente dependente de subsídios vindos de governos que ela não pode contrariar sem graves prejuízos para a sua própria subsistência. 
E muita da nova imprensa virtual, mais alinhada com as novas correntes sociais/digitais, é oportunista no seu conteúdo, na esperança de ser reconhecida financeiramente por quem está no poder.
Sem imprensa livre e discordante, quando necessário, prospera a impunidade, o roubo e o desmando. Do nepotismo nem é bom falar.
Graças a tudo isso, e ainda ao doutrinamento político nas escolas, é fácil governar através das redes sociais e para as redes sociais. Acéfalas e com pouca auto-crítica, engolem tudo. Basta ter especialistas para criar os grandes grupos seguidores necessários. Se assim se vendem sabonetes, porque não se venderiam ideologias ?
Finalmente, outra coisa que se tornou óbvia neste ano que finda foi a dimensão do policiamento ideológico, e como isso se tornou numa ditadura imposta ao mundo pelo chamado políticamente correcto. 
Reescreve-se a História através de repetições  sem fim de factos "alternativos" e convenientes. Amordaça-se da pior maneira: em nome da liberdade e da democracia. Ai dos discordantes de certas ideias, mesmo que estejam erradas e em nenhum lugar se tenham provado eficientes. Ai deles! 
E assim, o nosso mundo caminha inevitávelmente para a guerra, repetindo erros anteriores que não o deixam corrigir. É o desencanto.
Poderia ainda acrescentar mais angústias e desagrados ao ano que agora termina. Como se isso fosse necessário, e não é,  para o tornar um dos piores e mais preocupantes de sempre...


copyrightHenriqueMendes/2017

5 de ago. de 2017

150 - O PERDÃO DOS OUTROS


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Fala-se tanto em perdão! Em como é preciso perdoar para ser perdoado. Em como é preciso perdoar para ficar em paz. Em como é preciso perdoar para se libertar de rancores e angústias que nos afligem. Leio, entendo e concordo. Mas preocupo-me.

Dei três exemplos, nas linhas anteriores, apenas três, e estou certo que são representativos do que é habitual ler-se hoje, um pouco por toda a parte. E nos três há uma espécie de negociação feita de perdoar para obter algo em troca: - Perdoar para obter perdão. Perdoar para atingir a paz. Perdoar para se libertar das angústias... Como se estivessemos usando uma má interpretação da lei do retorno, e buscando de antemão o retorno que pretendemos.

Em nenhum lado vejo defender que se deve perdoar por ser a coisa correta a fazer. A vida, o mundo, os outros,  inevitavelmente nos agridem em um ou otro momento menos feliz. E o perdão é a única coisa que faz sentido e nos permite seguir adiante.

Perdoar, esquecer e recomeçar é a coisa correcta a fazer, simplesmente. E faz parte, ou deveria fazer, dos valores que a educação verdadeira, não o ensino escolar, transmite ou deveria transmitir até que, aprendido o conceito, passe a ser uma escolha interiorizada e se perdoe porque sim. Sem mais motivos.

Perdoar é, sim, um valor civilizacional, um acto educável e educado. E ser-se educado é bom, não careta - como alguns querem que acreditemos, para nos nivelar a todos por baixo. 

Ser-se educado, e nesse contexto perdoar, é o que nos distingue!

Então, que se fale de perdão sim! E não apenas na ótica do que nos traz de lucro, mas também porque sim, porque é o que consideramos certo e educado fazer.

Depois disso, poderemos olhar melhor para um outro aspecto do perdão, de que também pouco se fala: o perdão que devemos a nós mesmos, e que é fundamental. Do tanto que precisamos perdoar-nos por tanto mal que nos fazemos - e aos outros.

17 de jul. de 2013

72 - LIVROS DIGITAIS ( crónica )




Queria comprar um tablet, há uns tempos atrás. Pesquisava a esse respeito num oceano de promoções todas elas tentadoras,  quando uma delas me  atraiu olhar com uma frase simples, lançada quase com displicência para o meio daquela efervescência toda, das marcas, dos números, das vantagens:  - Compre um dos nossos, e ganhe dois milhões de livros.

Intrigou-me. E fez com que uma outra questão acabasse por impor-se a tudo o que estava fazendo: - o livro, tal como o conhecemos, que futuro terá ? Pesquisei um pouco mais, e acredito que acabei comprovando uma frase de há muitos anos: “a inevitabilidade do futuro está naquilo que já aconteceu”. Sim, é bem possível que esteja.

Na minha pesquisa, não sei se válida, encontrei aqueles que acham que nada, nunca, virá a ocupar o lugar do livro tradicional: - de papel, na estante ou no colo, agradável ao toque, com algum eventuais anotações românticas escritas à mão entre as páginas amarelecidas…

Mas encontrei argumentos fortes, também, acerca de florestas dizimadas em favor de livros que, aos milhões, são postos de lado tão logo perdem a actualidade técnica. Encontrei imagens fortíssimas de  armazéns imensos cheios de caixas de livros provenientes de doações, classificados, separados, esperando utilidade em algum lugar que, aparentemente, tarda em surgir. Milhões também.  Imagens que se repetem em várias cidades de vários países lidando com esse mesmo problema de espaço, real e contundente, impossível de ignorar, e de que se fala pouco.

Numa tentativa de resumo, colocaria de um lado os que ainda estão discutindo a sua preferência pelo livro escrito tradicional, ou pelo electrónico. Como se fosse estética – e não deixa de o ser – ou emocional, essa escolha que parece ainda existir.

No meio, colocaria quem já me oferece dois milhões de livros na compra do tablet, menor que um livro, e capaz de os ler a todos… Cada um deles custando mais barato, sem custos  ambientais tão visíveis, e quase com a mesma portabilidade, além de outras vantagens e defeitos.

E no outro extremo, contrapondo-se de alguma forma – mas firmemente - uma mistura que ainda estou classificando. Imagens difusas, de pessoas. Velhos, crianças. Franjas sociais, sem escolas nem livros. Faltas de oportunidade e oportunidades desiguais. Imagens de livros em língua estrangeira a eles, excedentários… Imagens e questões de todos os tipos, sobrepondo-se. 

Razões  pelas quais me questiono quem é quem, nesta crónica chamada mundo, que nós escrevemos, dia após dia...E para quem, depuradamente, criteriosamente, escrevemos nós afinal? Será sempre para um mesmo público, feito de nós próprios ?  E valerá a pena ?