17 de jun. de 2013

70 - FIM DE DIA





Chego sem saber que aqui estavas,
cansado do meu dia,
sabendo-me descrente de tudo
o que não seja dormir.

Quando entro no quarto,
e um resto de sol coado em cortina
te revela derramada sobre a cama,
avermelhada, dourada,
renasço em outros humores,
mas com a certeza de estares dormindo.

Dou por mim imaginando banhos,
agitando martinis, acendendo velas
para um jantar de vinho e queijos,
à média luz.

Dou por mim pensando no que fazer,
enquanto me vou despindo
para te surpreender, e te dar
o despertar libertino, memorável,
que adormeceste esperando.

E tu ali, nua sobre a cama,
em total ignorância de mim
e do agito que matou o meu cansaço,
pareces-me subitamente frágil,
pequenina, mais garota travessa
que mulher ladina...
- quase inocente !

De seios esmagados contra o colchão,
ganhas novas curvas e relevos,
e as tuas nádegas, nessa posição,
sobre o lençol escuro e brilhante,
eternizam-se como numa pintura antiga,
e gritam-me chicotadas aos sentidos.

Chego mais perto, 
ainda sacudindo um resto de roupa,
para um beijo quase casto, sobre os cabelos,
numa quase-esperança de que despertes,
e me poupes o remorso de te acordar.

Beijo-te suavemente, cheirando-te,
enquanto te viras e me olhas
por um momento, sem me veres,
já de regresso ao teu soninho gostoso.

E nesse olhar, que foi tão rápido,
brilharam estrelas escuras, só para mim,
prometendo prazeres e loucuras
que a fadiga da espera apenas adiou.

No teu sono, ainda me aguardas
- sem saberes que já cheguei.
E que te amo, pelas promessas
que fizeste, sem saberes que fazias...

3 de jun. de 2013

69 - TODOS OS DIAS


















Todos os dias surpreendo as minhas palavras.
Ignoro os esconsos dos meus caminhos tantos
e os sons frescos das madrugadas.

Caminho por eles com passos desconhecidos
num ritmo de vez primeira
em caricias tacteantes de vez primeira
esculpindo  anseios em gestos de luz.

Procuro-me onde estiver,  sempre,
numa sucessão do que acabam por ser regressos
e bater de portas cinzentas
sem madrugadas alongando-se
contra o tempo
e contra a morte cruel do instante
que queria eternizado.

Todos os dias
as minhas palavras se torcem em versos
ruminam aquelas frases ditas de mil maneiras
até por mim mesmo,  noutras horas,
e são cozinhadas neste sangue
que é um só, e espesso,
e único como um nascer de sol.

Todos os dias
me assino no tempo
e desenho indelévelmente  esse traço
como uma corda que a vida vai tangendo
e dedilhando com unhas de artista


e que, ocasionalmente, 
soa a mim.





Lisboa 3.06.2013