Houve um
dia, já não sei quando,
em que a
Rua passou a ser caminho, apenas,
e as
vitrinas  não tiveram mais o apelo
colorido
dos
detalhes efervescendo  a imaginação.
Emoldurando
portinholas de mistério,
portões
verdes deixaram de fervilhar
os segredos
das árvores douradas 
pelos fins
de tarde, nas entradas das casas.
E as
ramagens  não viram mais reflectidas,
em
brilhantes espelhagens de  indiferença,
nos olhares
frios das vidraças sobranceiras,
as suas
formas ondulantes de vibrar com a vida.
E na pedra
branca dos muros alvos, brilhantes,
forrados de
ainda mais pedra branca, 
revistas
coloridas deixaram súbitamente 
de mostrar
um outro mundo e outras gentes,
disposta em
arames, exposta em arames,  quais
enormes
sorrisos estáticos, arqueados entre pregos, 
prometendo  paraísos ao vento,  intermitentes,
seguras com
molas de roupa,
- a preços
de moedas na calçada…
E todos que
passavam tinham nome, e chamavam-se,
e
sabiam-se,  e os seus medos eram simples:
temiam não
haver mais quem quisesse flores,  
ou  uma revistinha de bordados em ponto cruz,  
ou fruta em
saquinhos, cristalizada.
E houve um
dia,  já não sei quando,
que passei
correndo, cheio de pressa,  
e não vi
mais a minha sombra de menino
a alongar-se pelos detalhes dos cantos.
E nem me
saudou o reflexo costumeiro
nas
vidraças das janelas,  agora fugidio - outro.
E quando me
chamaram, não respondi …
mal tive
tempo de olhar em volta.
Na pressa
foi outra voz, também minha,
que disse
olá – também nem sei a quem !
E corri
tanto, tantas vezes fui e voltei
sem
descanso,  tantas sem rumo crível,
que um dia
apenas escutei silêncio na rua, 
e vi que já
era só um caminho –  e não mais.
E nos olhos
com que me olhei,
como se a Rua
eu fosse, 
e me visse
assim, ali,
também não
me reconheci no que via.                                                   
E nos olhos
com que então olhei a Rua,
toda a eloquência  do cansaço já adivinhado
me disse que não era a minha.
me disse que não era a minha.
Nem meu,
aquele caminho.
Nem eu,
quem a estava olhando.
Então
construí meu barco, esculpi mil remos,
velejei, remei meio mundo furando ondas,
lancei âncora, nadei, e vim…
lancei âncora, nadei, e vim…
Cheguei já
caminhando,  e exaurido 
pelo no
medo de não chegar.
Cheguei
oco, estranho, alienígena.
Os outros
soando ao longe, como 
alguém que
não fala os meus silêncios.
Os outros, que
não sabem onde fica
aquela  minha rua, 
onde tenho
absolutamente que passar,
para que
deixe de ser apenas caminho.
E para que
retome a vida, 
e me traga
à vida.
E me puxe
de volta, me refaça e reconstrua,
e rompa com
unhas que o tempo 
transformou em garras,
transformou em garras,
esse  adiamento que me impus.
E aqueles que me
esperam travestido de poema, 
ou de mim,
ou de mim, ou de tantos que eu sou,
-dos tantos
que todos somos-                                                                 
saibam que
não estou pronto!
Falta-me
ainda encontrar aquele menino 
que
percorria aquela rua, maravilhado,
sem
imaginar que ela fosse um caminho.
Falta-me fazer
com que Rua e caminho 
se
completem com aquilo que agora sou.
E fazer com
que ambos me contem 
as histórias
de mim
que eu não sabia que eram
história...(imagem: creio que City Fog Night de Charles Campbell, colhida na net )

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