25 de out. de 2011

26 - SACRÉ-COEUR

A cidade não chega nunca a ser uma surpresa.
Não chega  a renovar-se em gritos, cores, cheiros, atos.
Não...
Acaba repetindo-se  depois de um ponto,  efémero
como uma fronteira escassa.
A cidade morre num carroussel antigo, colorido,
que roda perfeitamente,  teimando  num outro tempo,
como se fosse um relógio acertado por um fuso estranho.

Depois começam as escadas de pedra
por entre verde-jardim  e  degraus subindo sempre,
a pedra impondo-se mais e mais a cada passo lento,
eternizando momentos, esculpindo o tempo.
E nas costas a cidade evanescente  tornando-se  borrão,
detalhes perdendo-se, fundindo-se  num todo
mais amorfo e sem muito sentido.
Impõe-se a pedra, degraus, patamares, pausas.
Alguém  toca harpa, deliciosamente, por moedas,
num  concerto improvisado de costas para a cidade.
Por fim,  a presença dominante da pedra é absoluta,
esmagadora até ao limite dos sentidos.
No alto da montanha a beleza sublime do templo
que os homens extraíram dela  e ornaram de riquezas.
Atrás de mim, a cidade,  já tornada paisagem apenas.
E comigo uma inquietude, um ciciar baixo de vozes
que mais  ninguém parecia ouvir.

Por fim, um movimento mais súbito da cortina de água
numa das várias fontes próximas
tornou mais veemente a  inércia dos rostos
que me fitavam, estáticos, por detrás dela,
em total mimetismo com o lugar.
Creio que alguns me olhavam surpresos por vê-los.
Outros, apenas com a indiferença da perenidade.


Outros ainda, com a sabedoria que a pedra acumula.




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