25 de out. de 2011

26 - SACRÉ-COEUR

A cidade não chega nunca a ser uma surpresa.
Não chega  a renovar-se em gritos, cores, cheiros, atos.
Não...
Acaba repetindo-se  depois de um ponto,  efémero
como uma fronteira escassa.
A cidade morre num carroussel antigo, colorido,
que roda perfeitamente,  teimando  num outro tempo,
como se fosse um relógio acertado por um fuso estranho.

Depois começam as escadas de pedra
por entre verde-jardim  e  degraus subindo sempre,
a pedra impondo-se mais e mais a cada passo lento,
eternizando momentos, esculpindo o tempo.
E nas costas a cidade evanescente  tornando-se  borrão,
detalhes perdendo-se, fundindo-se  num todo
mais amorfo e sem muito sentido.
Impõe-se a pedra, degraus, patamares, pausas.
Alguém  toca harpa, deliciosamente, por moedas,
num  concerto improvisado de costas para a cidade.
Por fim,  a presença dominante da pedra é absoluta,
esmagadora até ao limite dos sentidos.
No alto da montanha a beleza sublime do templo
que os homens extraíram dela  e ornaram de riquezas.
Atrás de mim, a cidade,  já tornada paisagem apenas.
E comigo uma inquietude, um ciciar baixo de vozes
que mais  ninguém parecia ouvir.

Por fim, um movimento mais súbito da cortina de água
numa das várias fontes próximas
tornou mais veemente a  inércia dos rostos
que me fitavam, estáticos, por detrás dela,
em total mimetismo com o lugar.
Creio que alguns me olhavam surpresos por vê-los.
Outros, apenas com a indiferença da perenidade.


Outros ainda, com a sabedoria que a pedra acumula.




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4 comentários:

  1. Bela, meu caro Henrique, muito bela esta sua crónica! a propósito de um dos pontos turísticos incontornáveis da capital francesa. Na realidade, eu me deleito mais com as suas bem tecidas palavras que com o local visitado, propriamente dito.

    Imperativos de turismo obrigam, eu noto que transparece sempre uma espécie de "upgraded memory" nos monumentos parisienses. Certamente que essas figuras e outras gárgulas já não estão mais na pedra original em que foram esculpidas. Em Paris, tudo é relissado, liftado, remaquiado para que sempre tudo pareça novo, preservado, autêntico. Oh quão diferente é da bela Itália!...

    Sua descrição prima pelo pormenor e pelo comentário do pormenor. Não é sempre que vejo isso nesse nosso mundinho de letras, não é sempre...

    Bravo, meu amigo!

    Um forte abraço, bom dia!

    André

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  2. Olá, Henrique

    Depois disto fiquei atento à campainha: é agora, é ele, mas não. Por enquanto...
    Comparei o Cristo Rei de Almada com o do Corcovado e pensei: melhor tem ele no Brasil, para que precisa de vir aqui?

    Saudade, Abraço
    João

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  3. João, querido amigo: Fui numa mistura de negócios e lazer, e não consegui tempo para viajar em Portugal. Terei de esperar pela próxima, que talvez nem tarde, para dedicar aos amigos daí o carinho que eles merecem.
    E o de Almada é inigualável, na sua modéstia.
    Um grande abraço, e um grande obrigado pela acolhida que seria excelente, tenho a certeza.H

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  4. Caro amigo André,
    Falta-me o insert do carroussel, que não consigo cologar de maneira nenhuma. Lindo, mas com uma musica que não tinha nada a ver com nada. Um primor de restauro, entretanto.
    Obrigado por suas palavras.
    Também colho essa sensação de que Paris é muito engomadinha,e de vez em quando cai no Botox rsss. Apesar disso, c'est trés charmante.
    Obrigado pelas suas palavras.. Um abraço
    H

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