9 de ago. de 2011

19 - SONETO INCOMPLETO








Deveria a flauta ter-me dito,
ou então  cântico vindo da terra,
(Géia  lasciva, lúbrico agito,
vozes  no sangue, frémitos de guerra...), 


que nesse inexcedível por de sol
morre uma eternidade singela.
Canto, nota insustentável,  bemol.
Melodia única sempre bela. 


Frase silente de feliz efeito,
dedos  cercando  a nota perfeita,
bisel  traduzindo um do de peito

7 de ago. de 2011

18 - TEMPO RASGADO





Pisei naquela linha distante.
Naquele limite onde o tempo se rasga
e a vida fica algo estranha,
e todos os valores  cedem um pouco,
se acomodam e ajustam
com aquele som  de pano puído
que finalmente se esgaça,
abdica da complexidade objetiva da trama
e se reduz a fios soltos.

Isolados, são fios também,
mas não são mais aquela rede colorida
onde sonhei adolescências
em tantas tardes de calor inquieto. 


Isolados, não me darão nunca mais
aquele balanço ocasional,
sem ritmo nem persistência,
que um calcanhar esquecido no chão
imprimia esporádicamente. 


Isolados, são apenas fios
retomando a sua identidade própria,
mas meros detalhes, afinal,  duma história
que só juntos poderiam contar:
a minha história, de mim. 


Isolados, são como palavras desconexas,
que não formam frases.
Que, no máximo,  soam à saudade
duma rede balançando em
tarde quente...


(foto colhida na net, sem créditos )


16 - MENOS GLÓRIA








Encontro cada vez menos glória
na glória das manhãs.
E menos limpidez nesses céus
onde o azul era tão puro,
que as pequenas  nuvens brancas
pareciam não passar de erros
realçando a perfeição.
Agora, parece que encontro menos
daqueles verdes com que a terra-mãe
se canta em alegrias, e sinto menos alegres
todas as outras cores
com que florescem, pujantes,
os  seus segredos  incontidos.
Estão soando monocórdicas,
as vozes dos passarinhos...
-alguma vez terão sido mais
do que imprevisíveis e alegres,
ou foram sempre assim,
uma algazarra desconexa de piu-piu-pius
a quem a nossa imaginação
se encarregou de atribuir significados ?
Não estou encontrando caminhos 
para os meus passos de poeta.
Idas rumando a algum lugar
que faça ainda um mínimo de sentido,
onde não me perca de mim,
nem da história que escrevi  com a alma,
mais do que com o corpo,
em cansaços e cicatrizes.
Nas sombras das raras árvores
dos meus caminhos,
não há mais recantos de poeira intocada,
entardecendo melancolias.
Não há fontes  sem lixo,  cristalinas 
e acolhedoras  a um repouso,
nem curvas de rio onde  as águas  remansem
em brilhos de prata
as histórias dos lugares a montante,
em noturna languidez,
ou onde acolham meu banho cansado,
purificador, ao luar.
Está cada vez mais difícil.
Bruxuleia  a  verve.  O gênio diluido no sangue. 
O dom.
Os poetas já dizem pouco.
Dos poetas, já dizem tudo.
As lojas,
em breve venderão fantasias de poeta,
como vendem de dinossauros
– extintos  e na moda.
Um  poetosaurus-rex. 
Um tiranegócio-rex, às vezes, em rima...
Não sei se vale a pena.
E nunca pensei se tenho escolhas !

( imagem colhida na net, sem créditos )


5 de ago. de 2011

15 - SOB O RIO





Há um outro rio,
por baixo do silêncio.
Águas vivas, correndo rápidas,
tateando emoções em leque
como se fossem passos agitados,
rumando todos os nortes possíveis
- ou apenas palavras traindo-se,

entregando-se em sublime nudez,
tempo afora,
contando as histórias do silêncio...

( foto colhida na net, de origem desconhecida )
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