Havia
um cais.
Ficava
lá depois da última praia.
Depois
do último molhe de pedras amontoadas,
que
amansavam às ondas o seu avanço.
E
nós esperávamos, ainda longe,
que
chegasse a hora certa.
Depois
caminhávamos às pressas,
e
ríamos quando a água vinha
e
já nos chegava aos pés.
E
sempre acabávamos a correr muito,
com
a água cada vez mais perto,
apertando-nos
contra as rochas
num
contra-relógio juvenil,
insano
e perigoso.
E
quando o areal ia terminando,
e
já não havia mais lixo
senão
aquele que o mar trazia,
nem
se viam outras pegadas
que
não fossem as que deixávamos
-sabíamos
que o momento ficava sério.
Parecia
que gritavam avisos, as ondas,
e
havia grasnados de protesto
nos
ninhos das rochas mais altas,
das
falésias cheias de sol.
Mas
agora já não podíamos voltar atrás,
era
o mar que nos empurrava para o cais,
de
medo escondido nos olhares
e
nos risos de desafio ao momento.
E
não havia outros tão alegres,
nesse
mundo onde julgávamos
que
Deus nos deixava ousar destinos.
Por
fim chegávamos,
já
com a água espumando nas coxas,
sabendo
que não havia outro caminho.
Ninguém
nos seguiria, mas quem viesse
precisaria
esperar que vazasse
essa
maré que só agora começava a encher.
E
se isso fazia de nós prisioneiros,
voluntários
e contentes,
também
nos tornava donos do tempo
por
todo um dia de marés.
Sim,
havia um cais.
Tinha
um sossego que era todo seu,
mesmo
com os gritos das gaivotas
e
o marulhar das águas,
o
cheiro húmido do sal nas rochas
e
o ruído distante da cidade que teimava
em
fazer-se ouvir.
Ouviam-se
nas tábuas velhas
vozes
que vinham do fundo,
de
ondas rolando pedras.
Mas,
apaixonados,
pensávamos
que eram beijos
segredos
de mar e seixos,
e
tudo o que rimasse
com
abraços escondidos
de
águas e pilares.
E havia
um ranger antigo de madeira
que
se espreguiçava ao sol,
sorria
ao sol e, quente,
nos
embalava os sonhos lentos
de
quem só pensa em céu azul,
sem
nuvens e sem pressas,
e nos
beijos fantásticos que só troca
quem
é dono do tempo
e
da vida
e
pouco se importa com as marés.
COPYRIGHTHENRIQUEMENDES TEXTO
FOTO JOSHK TAYLOR ( SEM UTILIZAÇÃO COMERCIAL )
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