15 de dez. de 2015

116 - PASSARINHO





Escutava-se, havia já alguns dias, um ruído anormal vindo do exaustor de ar do banheiro aqui de casa – tão mais estranho quanto ocorria precisamente nas alturas em que estava desligado.

Intrigado, ponderei que não podia ser nada de muito especial. Afinal,  o exaustor é apenas  um pequeno motor eléctrico que suga o ar do banheiro e o expele por um tubo que vai até ao telhado, onde há uma espécie de pequena chaminé.

A única coisa que conseguia imaginar, capaz de produzir um ruído como aquele, era o de uma sacola de plástico que tivesse entrado pelo tubo e tivesse ficado entalada, de alguma maneira impossível de imaginar, vibrando com o vento e fazendo aquele som adejante como asas de um passarinho.

Asas de passarinho. O pensamento surgiu como uma martelada. Não podia ser. Já se escutava há vários dias, de vez em quando. Um passarinho não dura tanto tempo, dura ? E não se escutava nenhum pio, chilreio,  nada dessas coisas que supomos que os passarinhos fazem. Mas seria ? Um passarinho ?

Corri atrás da lanterna e dumas luvas, subi com um pé num banquinho e o outro no vaso sanitário, deixando a luz do tecto desligada para não fazer funcionar o exaustor. E não escutava nem mais um ruído, nada. Claro que não podia ser um passarinho, dizia-me um canto da razão.

Mas às mãos impelia-as o coração. Minha mulher segurava a lanterna, e meio no escuro, meio na sombra das minhas mãos, lá desmontei a face do aparelho, desliguei-o da electricidade, desaparafusei-o da parede e por fim, já de luz acesa, retirei-o do seu nicho dentro da parede com todo o cuidado.

Lá dentro era escuro, tubo de plástico preto, não conseguia ver bem e tive de usar a lanterna outra vez,  mas sim…Um pouco mais à frente estava um passarinho. Virava as costas para mim, e olhava para cima, para o túnel por onde chegara até ali, e por onde agora não conseguia voltar pois não tinha espaço para bater as asas.

Enrolei um pano na mão, que consegui a custo enfiar no buraco até apanhar o pequeno passarinho e trazê-lo para fora. Era um pardal comum, quentinho na minha mão, a quem tentei dar água molhando o dedo e encostando-o ao seu bico. Ganhei umas bicadas inofensivas mas cheias de combatividade. Forte, o seu coraçãozinho batia a mil por hora.

Decidi levá-lo até à janela do prédio e deixá-lo voar. Voou rápido e sem hesitações, apesar do cativeiro de vários dias, sem alimento nem água. O seu voo foi singelo e eficiente, desapareceu quase de imediato.  Mas recordo dele os olhinhos muito escuros e brilhantes e, acima de tudo, o som das asinhas batendo, quando saiu da minha mão. Era o mesmo som que eu escutava dentro da parede.

A alegria de vê-lo bem e voando, livre, foi avassaladora.

Depois o momento passou, Regressaram todas as coisas que tinham ficado em suspenso daquela hipótese de ser um passarinho, e que de repente tinham ficado priorizadas de uma outra forma. A internet disse-me mais tarde que se tratava de um pardal fêmea, e que viviam cerca de 15 anos, o que é muito mais do que eu poderia imaginar. Tal como jamais iria imaginar este presente de Natal, que a vida me deu, disfarçado de ser útil a um passarinho.



Feliz Natal, passarinho. Obrigado por teres vindo.


Um comentário:

  1. Gostei muito! Sabe que ao decorrer da leitura, fiquei imaginando se tratar de um fato real. Tal foi a sutileza ao narrar o conto e a presteza de passar informações sobre o frágil protagonista. Encantou-me!

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