13 de jul. de 2022

196 - PARECE QUE FOI ONTEM





Parece que foi ontem,

mas foi mesmo há muito tempo...


Uma manhã apanhou-me desprevenido

e lançou-me a sombra grata de uma árvore gigante

sobre umas folhas em branco, à minha frente,

à mesa de um café.


Depois disso escrevi-me em manhãs, 

todas quantas pude.


Escrevi-me em passos hesitantes 

pelas alvuras exigentes dos papéis,

que sempre me iam encontrando como sou:

- de olhos quase vagos e quase atentos,

sentindo em redor, como se olhasse.

( Um adulador de detalhes, na opinião de alguém. )


Escrevi-me dispersamente, 

espalhando-me pelas histórias 

que tantas outras mesas  me contaram, 

se sem saber que procurava repetir 

a força avassaladora daquela primeira vez, 

quando assim me vi, face á sede inesgotável 

do papel em branco.


Escrevi-me em instantâneos dos outros, 

que fiz meus. 

Foram segredinhos, surpresas e rompantes,

talvez partículas de passados 

a que dei formatos e sons, 

presença numa qualquer história 

- que existiria mesmo sem mim.


Escrevi-me em rituais estereotipados, sofridos, 

escolhas necessárias, tudo em nome de  algo 

que um dos meus  futuros possíveis

pudesse eventualmente exigir-me um dia, 

quem sabe...


Mas o futuro tardava a chegar, 

e era incerto que o identificasse

como sendo o meu...


Então,  parece que foi ontem,  

mas já foi mesmo há muito tempo,

que me escrevi em passos lentos 

pelas muralhas da cidade,

e em todas as fachadas brancas 

das casinhas sorrindo para o sol;


E em cada rua calçada de pedras antigas 

ecoando vozes de crianças;


E em todos os cais,  

e no ruído quente de todos os bares,

e caminhando ao caso nas noites 

que os outros evitaram receosos.


Em tudo isso me escrevi,

com um olhar de adeus 

onde havia uma lágrima

que humedeceu outras terras, 

muito além do solo onde cravei os pés.


Escrevi-me em cânticos inúteis 

de louvor a valores desnecessários,

e em registos de memórias merecendo serem vagas.


Escrevi-me em buscas que jamais terminarei,

e em sonhos que jamais  saberei parar de sonhar.


E parece que foi ontem,

mas nem terá sido há tanto tempo,

Que me escrevi um pouco por toda a parte.

Que me encontrei um pouco por todo o lado.

Que me li  entre pilares de pedra antiga, 

erguendo-se de águas infinitas , 

que marulharam  versos meus

até  qualquer outro horizonte,

repletos de sal e de destino.

E de lugares por saber...


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