Quem contava sobre ela era minha avó, aproveitando aquelas noites longas de fogão de lenha e neve lá fora. E contava como se fosse uma lenda que já vinha lá dos tempos mais antigos, quando princesas e príncipes faziam parte das histórias, e as lendas nasciam dos pequenos gestos mágicos de quem as contava.
Quando falava dela, Vó sempre dizia como ela era bela, primeiro. E só depois contava
sobre como ela deslumbrava a quem a via, por causa daquele jeitinho tão seu,
tão frágil, de ser especial. É que ela mostrava-se única, e sobressaía entre
todas as outras .”– “E olhem que eram uma multidão que a rodeava!” apontava Vó,
não querendo que isso passasse
despercebido.
Mas depois, logo acrescentava que todas eram só um pouquinho
menos sublimes que ela, apesar de serem lindas… Claro que, assim, ela ia
ganhando aos poucos, cada vez mais, a fama de ser maravilhosa.
E era, sim. Era única e bela, e enchia os olhares de todos com
esperanças até então adormecidas. Dava mais cor ao dia de quem nela punha os
olhos, e se perdia de amores. E ninguém
resistia a esse seu encanto.
E era só quando chegava a este ponto que Vó contava o resto. Parecia quase uma explicação que nascia assim, das nuances semínimas da sua voz tranquila - voz de Vó, voz de contadora de histórias.
Ela dizia que o destino tinha interferido, e eu acreditava. Devia
ser verdade, posto que o destino sempre interferia nas histórias de Vó, e
naquela não ia ser diferente.
Por isso, quando Vó continuava a história e contava que já
era do destino daquela beldade ser assim, tão bela e tão especial, ninguém
estranhava. Menos ainda estranhávamos quando ela acrescentava que, porque isso
já estava no seu destino antigo, acabou acontecendo que a bela foi amada como
nenhuma outra.
Claro que Vó sempre tentava encontrar algum tipo de
conclusão, ou de moral, na história. Por isso comentava o excesso desse amor.
“-Era amor demais!”- dizia. “-Tudo o resto, todos os outros,
ficava num segundo plano, um pouco distante e ofuscado pelo brilho desse
sentimento entre a bela e o seu par!”
Vó explicava que, à
sua maneira, ele também era muito bonito.
Forte e incisivo, e rodeava a
bela de atenções, defendendo-a dos perigos circundantes. Era mais agressivo que
ela, mas discreto e tenaz na sua forma de sempre estar perto.
Dizia que eram inseparáveis, duma forma tão conhecida e tão perfeita,
que acabou gerando invejas e ciúmes, como é costume acontecer nas histórias dos
grandes amores, quando são por demais conhecidos e perfeitos.
“-E foi por isso...- sentenciava Vó, com um dedo empinado- Foi por isso que o destino
interveio. Tamanho amor não podia ficar assim, só em felicidade. É que quase
sempre o amor precisa de algumas contrariedades para ser apreciado!”- insistia
ela.
E foi por isso que um poderoso feiticeiro que vivia do outro
lado do reino, se zangou com os dois e desistiu de tomar para si a bela.
Cansado de tentar abraçá-la, mas sempre impedido pelo seu par, o feiticeiro lançou
sobre os dois uma maldição terrível, que fazia com que sempre estivessem
próximos pelo amor, mas que nunca chegassem realmente a estar juntos.
Quem escutava Vó, principalmente as crianças como eu era
então, arregalavam muito os olhos quando ela falava assim de feiticeiros e
maldições. Mas até mesmo os adultos se deixavam impressionar, e ficavam de respiração suspensa, revoltados com tanta maldade. A tensão na
velha cozinha crescia até atingir um ponto quase insuportável.
E então Vó, em voz mais doce que nunca, explicava que estava
apenas contando mais uma história, e que ninguém precisava sofrer com isso.
Na primeira vez, apesar de ser muito menino ainda, lembro que
alguém perguntou: “- Vózinha… Essa história é verdadeira?”. E logo ela
respondeu muito lentamente:
-Claro que sim. É a história da rosa e do espinho, que não
podem viver um sem o outro, mas que nunca chegam a estar juntos. - E a mão de Vó
apontava para as rosas na jarra sobre a mesa da sala, acompanhada por todos os
nossos olhares...
copyrightHenriqueMendes2017
Brilhante, simplesmente maravilhoso. Estou levando para o meu blog e a minha página do face. Obrigada pela partilha.
ResponderExcluirFique à vontade. Obrigado por fazê-lo. Beijo.
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