29 de mai. de 2013

68 - CONFIDÊNCIAS DUM VELHO BLOG






Dei por mim a pensar que fui a tantos lugares, nesta manhã, que quase cruzei comigo em meia dúzia de esquinas. 

E foi essa sensação de tempo fugindo, de prazo apertado, de coisa-tanta por fazer, que levantou questões impertinentes quanto ás razões de tudo isto.

Lembro-me de, fugidiamente, ter pensado que deveria encontrar uma forma melhor, e menos mecânica que um relógio, de aferir o tempo a passar. Logo depois, tinha terminado este parágrafo, e uma boa parte do dia tinha já passado em célere normalidade.

Então decidi engrenar uma reduzida e esbaldar-me nas delícias das coisas miúdas,  cheirar o dia e parar para pensar. Catar nos meus caquinhos algo que me permita entender o que leva as pessoas a não terem medo da passagem do tempo. E, por outro lado, a terem tanto medo do que muda, quando ele passa. 

Talvez o que muda sejamos nós, como reflexo de alterações sutis em  coisas e valores que nos são fundamentais. Talvez nos levem junto, quando mudam, e nos moldem um pouco ao sabor das suas próprias mudanças.

Valeu-me nisto um velho blog que mantenho faz tempo, talvez um pouco até contra a lógica. Nele guardo alguns poucos textos e fotos, que carregam em si o peso de momentos especiais. Como num velho quarto-forte, onde as recordações que me revelam se espalham um pouco por toda a parte, esventradas e sem censura, visíveis apenas por mim ou por quem mais dele mantenha a chave.

Busquei nesse velho blog tudo o que pudesse servir-me de base de comparação entre os valores nele congelados, suspensos no tempo, e os meus valores de hoje. Ao fazê-lo, senti que caminhava por entre recordações, deixando marcas inevitáveis na poeira do assoalho - embora com os cuidados de quem não quer alterar nada. 

Isso deu-me a dimensão do que não mudou: - Eu não mudei! 

Acredito nas mesmas coisas, sinto das mesmas maneiras... E o velho blog também não mudou. Não a sua razão de existir. Não o sentimento base de fascínio e envolvimento que lhe determinaram a existência,  embora talvez não seja mais possível arrumar as suas tralhas. 

Talvez nem sequer compense escolher apenas uma, que as represente, e jogar todas as demais fora, para depois recomeçar a acumular recordações. 

O melhor seria, provavelmente, apagar tudo e deixar um espaço liso, livre, amplo, para recepcionar novos dias. E deixar que o mero fato de o blog existir lhe confira peso e importância.

Mesmo hoje sabendo mais, mesmo modificado pelos detalhes do que vivi, escolhido ou não, continuo o mesmo. Forte nos meus amores, por inapeláveis. E frágil nos meus ódios, por não lhes dar sustentação.

O meu dia corre agora para um fim, retomando já a alta velocidade, e desligado já desta freada brusca que lhe impus. Talvez o tempo esteja efetivamente mais rápido, e as coisas estejam mudando, realmente. 

Pode até acontecer que, afinal,  sejam só as coisas que mudam, as circunstâncias que se alteram,  não nós. Talvez só nos adeqüemos ás experiências que vamos colhendo. Experimentemos, pois.

Buzino. O engarrafamento continua. Buzino, e ninguém se desvia para eu passar...

Um comentário:

  1. Olá, Henrique

    Vejo na ânsia de abrir este "baú" de recordações e nos tantos questionamentos sobre o tempo, sobre o que mudamos nós, ou o que mudou ele, a identificação de todos nós, que vez por outra, nos deparamos ante a saudade do que nos restou e a necessidade de se abrir ao novo, numa tentativa de reinventar-nos. E eis que surge a dúvida, descartar a memória? Mantê-la intacta guardada no báu? Ou quem sabe faxinar, tirar a poeira, selecionar algumas e rearrumá-las? São pois, as nossas tralhas que talvez um dia saibamos o que fazer com elas, ou não. Perenes dúvidas.
    Um excelente texto, meu amigo.
    Um abraço
    Celêdian

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