Momentos. Há momentos
e momentos...
Uns, que
atravessamos com o ímpeto próprio da
convicção total, na velocidade de quem não tem qualquer espécie de dúvidas. Com
o fulgor do acaso os atravessamos , sem sequer
ganharmos plenamente a consciência de que o fazemos. Ou de que eles, por
si mesmos, constituem momentos específicos, aos quais poderíamos, se
quiséssemos, atribuir endereços nas nossas memórias e, um dia, a eles regressar
em passos mais lentos e mais atentos olhares.
Mas há outros
também, que são cuidadosamente esculpidos. Produto de acarinhadas escolhas e de
condições reunidas carinhosamente com vistas a um determinado fim: - o momento
querido perfeito. O instante precioso, raro, que fizemos nascer já querendo que ocupasse um lugar de
destaque.
Acredito que o
texto que se escreve, o quadro pintado em tantos cuidados, a voz lançada em
emocionada declamação, são exemplos claros dessa procura pelo momento único, eternizado.
Talvez destes,
tão acarinhados, mais do que dos outros, frutos de acasos, construamos aquelas
que acabam por serem as nossas recordações.
Preciosidades tão cheias de significado pessoal, tão cheias de nós, tão
capazes de nos traduzirem, que acabam compondo aquela que, para nós mesmos, é a
nossa imagem.
Então,
provavelmente por a considerarmos nossa, passamos a agir de acordo com ela numa tal
coerência que habituamos os outros a um desempenho que lhes permite, mais
tarde, esperar de nós um comportamento afinado com a imagem que (nós, não eles,
afinal ) temos de nós mesmos.
E, com isso,
acabamos criando armadilhas que nos forçam a perseverar em rumos que não são os
nossos. Apenas os das nossas escolhas, que
um dia, em algum momento já desfocado pelo tempo, fizemos. E quem nunca
se sentiu oprimido pela igualdade dos dias, pela rotina coerente ? Ou encantado por isso mesmo ? Quem nunca
sentiu que se paga o preço de se ser quem se é?
Mas as nossas
recordações são o lastro do nosso navio, capazes de o manterem estável mesmo
sob fortes ventos e intempéries. Nelas nos refugiamos, em total exclusão dos
outros, quando queremos estar sós. Nelas nos refugiamos, selecionando, quando
queremos estar com alguém, verdadeiramente a sós, num repisar de ecos.
As nossas
recordações, são memórias tornadas inquestionáveis. Guardadas nos nossos
termos, sem possibilidades de outras leituras que não sejam as nossas.
Depuradas pelos nossos mecanismos internos de defesa, de maneira a que possamos
priorizar as agradáveis, e esconder, lá
nos recônditos profundos da mente, os
horrores e as menos desejáveis.
Em pleno
processo de faxina, surpreendo-me por verificar como são felizes as minhas
recordações, na sua esmagadora maioria.
E quase agradeço aqueles que, de alguma forma, compartilharam esses
momentos comigo… Por outro lado, como se faz, para agradecer ? Como se agradece
algo que é tão pessoal como uma recordação, que talvez só nós sintamos digna de
valor ?
Foto: H.Mendes (Itália/Toscana/S.Gemigniano)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é precioso para mim!
Comente, por favor :