26 de jul. de 2013
84 - GRÃO DE BICO
Eu não sabia que tinha um olhar pidão!
Mas a fome bateu enquanto corria atrás daquele poema que eu sentia especial. Quase etéreo e, ao mesmo tempo, quase tangível - como devem ser os poemas que, por um milhão de razões ou por nenhuma razão aparente, acabam se impondo no espaço em branco da folha à nossa frente.
Levei-o comigo, num diálogo interno intenso, tenso, táctil, enquanto desenhei todo um novo país de esquinas e ruas, e batalhas travadas por momentos e oportunidades pontuadas a vermelho e verde nos semáforos da cidade que ia acontecendo sem que encontrasse nela um lugar onde comer.
E a minha fome já estava a tornar-se insustentável quando, dum momento para o outro, com trombetas de acaso milagreiro soando e tudo, dei por mim num pequeno restaurante, com o carro estacionado quase na porta, escolhendo comida a meu bel-prazer.
Mantinha-me concentrado no poema, e meu pensamento devaneava intensamente a seu respeito, quando vi reflectido no espelho, em frente à magnífica salada de grão de bico que me preparava para comer, o meu olhar dividido entre o abstracto, o esfomeado e… o pidão.
Há momentos assim, especiais, que depois nunca mais se esquecem. São feitos de pequenas grandes coisas. Galáxias descobertas num momento fugaz, inesperado. Um prato predilecto, exibido numa luxúria de apresentação, num lugar absolutamente improvável, exponenciando ainda mais meus apetites e revelando expressões de olhar que passei a conhecer só daí para a frente - confesso.
Um momento assim é uma ilha. Uma memória isolada de todos os contextos, onde se volta muitas vezes. Cada vez menos por acaso, e cada vez mais pelo fascínio das surpresas que, até sob o devaneio abstracto de um poema formulando-se, continuamos dando a nós mesmos pela vida fora.
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