... e se, um dia, eu não conseguir
renascer dessas palavras
que sempre renascem de mim,
se um dia eu não escutar
no meu íntimo um silêncio claro
onde ideias me peçam conclusões,
será então que eu vou parar
num lugar qualquer
de um qualquer lugar,
buscando uma sombra calma
onde tirar os sapatos dos pés
e, com eles fincados no chão,
sentir as vozes mais profundas
que há na terra e o seu chamamento,
se o houver.
Há-de haver águas deslizando silenciosas,
passando, macias, rumo a destinos só delas.
E outras haverá em vozes roucas, agrestes,
ásperas, mas vagas como risadas distantes,
num tremor constante eternizando
combates contra as rochas
duma costa que lhes é hostil.
Há-de haver, hei-de senti-lo,
há-de chegar-me aos pés um calor doce
de colheitas por fazer,
de flores nascendo por aí, num acaso
sem razão aparente,
e algumas vibrações rítmicas de passos
em viagens só suas.
E sonhos! Hei-de sentir a vibração
dos sonhos transformando-se em vida.
E um quase silêncio dos desapontamentos ácidos
atapetando eras inteiras.
Há-de haver risos de crianças, sem razão,
só porque sim, límpidos e despreocupados, claro,
porque não ?
Há-de haver amor, e todos os ecos de mundos
que por ele se descobriram.
E num toque mais morno,
mais indefinido e vago, sentirei aquela
tremura forte, impossível de ignorar,
das coisas realizadas, conquistadas,
obras que foram ficando...
Da terra chegarão aos meus pés forças
e chamados, atraindo-me, convidando-me a ficar,
até que acabe ficando.
Mas e se não for assim?
Se descobrir, surpreso, que não vai ser assim,
mas mais imediatamente,
de outra forma qualquer?
Então não pararei num lugar qualquer
de um qualquer lugar,
nem terei tempo de renascer nas palavras
com que quereria dizer adeus.
E nem fará diferença.
Talvez algum outro Poeta as encontre e,
juntos, renascerão por mim.
25/06/2022
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