Meu amigo, meu irmão, olha como já se vê que difícil que isto é.
Não dá para correr sem tocar
o chão, sem deixar as marcas do pé…
E não! O problema não
é tanto o detalhe, um retrato do momento.
O Deserto não é a História,
nem o que a vida traz pela boca
do vento.
(Né não…)
Nem nós buscamos protecção sob a asa de um coronel ou de
partido,
com a gente não tem conchavo, não recebemos para elogiar
bandido,
a nós não vale a pena nem tanto faz , só ri mesmo quem cai em
graça,
os outros vão levando como conseguem, no sofrimento e na
raça…
(Mas não é não!)
A vida já não é só opinião, coisa feita, posta no jeito pela
imprensa
Não há um culpado só, o lamaçal se esparramou, O barro se
adensa
É muito mais que branco ou preto, certo ou errado, bom ou
ruim.
É tudo isso, e mais o que fazem na sombra enquanto dizemos
que sim.
(Ou não é, não ?)
Arrumaram desculpas, inventaram lados, raças, times e campeões
dividiram pra reinar, e zás… dá-lhe, futebóis, carnavais,
televisões,
acenaram com direitos vazios, fizeram carícias com línguas
de pano
e valeu tudo. Até que o povo viu que estava devendo até ao
tutano!
(Ou não foi, não ?)
E quando começou a acordar e se acendeu aquela luzinha de
perigo
Logo vieram mais
jogos, heróis, e briguem bróderes! Meu amigo…
Caras lá de fora botaram às pressas dinheiro nos carnavais.
Alegria!
Bundas rebolando, com o dinheiro que lhes roubaram no dia a
dia…
(É a cuíca, meu irmão! Cuí pum pum, cuí pum pum … Né não ?)
Distraír, passar a mão na cabeça, botar discurso, tratar de ficar
rico.
Um dia a casa vai caír, e a gente casca mas é fora, aqui eu não fico.
Atrás ficam os que acreditaram. Sempre usados, sem casa, sem
pão.
Massa de manobra, barracas de lona, exército sem futuro nem chão.
(Não está sendo, não ?)
Mas eu me perco, irmão. Lembro dos malditos que botaram pra
fora,
num triunfo de heróis aflitos. Povo com caras pintadas, a quem
agora
enfiaram pela goela abaixo, já redimido, quem estava
excomungado.
E toma aí frevos e carnavais, trevos sem sinais... Eta povo
animado!
(Não é, não ?)
E agora que você já julga que eu estou falando dos males do
seu país,
Chora meu irmão, que a coisa vem de mais longe. Já é um mal
de raíz.
E se acha que a questão é política e que afinal estou
falando é dela
se desengana outra vez… Não! Eu falo de vergonha. Olha a
Venezuela.
(Ou isso não pode, não?)
Acha que eu condeno regime, discuto processo, apoio alguma eleição
?
Eu falo de gente, não de time. E de trabalho, não de emprego
e pistolão.
Eu falo do inegável, da vida ruim, das imagens da miséria
que virou…
E tudo em nome de quê? De qual liberdade? O que foi que
melhorou ?
(O bolso do chefão?)
O que eu vou vendo é esse policiamento disfarçado, e essa
mentirada.
Essa divisão infeliz entre o mundo sobrante, e a esquerda
autonomeada.
A verdade distorcida até ao esquecimento, e a versão que se
ajeitou.
A comparação que já não nem se faz, a atenção que campanha
desviou ?
(
Pão e circo, meu irmão! Cuíca aí…Cuí pum pum…Cuí cuí cuí…)
Mas nos olhos escuros dos meninos, em favelas com o mesmo cheiro,
nas mesmas barrigas grandes, nas bolas feitas de trapo do mundo
inteiro,
eu não vejo mais os restos do colono antigo, do trabalho escravo
e suor
eu vejo é o olhar vazio das vitimas de quem veio depois e ainda
fez pior.
(Ou não teve tempo, não ?)
Não escuto canções de menestréis apoiando os discursos dos
palanques,
Deixo os números falarem sozinhos, penso quantos índios
havia dantes…
Agora que acabaram com eles, ferraram os coitados sem dó nem
cerimônia
vão dizer o quê? Que foi o colonizador? E que tá comendo a
Amazônia ?
(Mas não é não…)
Dantes havia bandido e mocinho, o xerife era do bem e a História
era a das gentes,
Hoje fede, irmão… vivemos num cercadinho cheio com as
verdades convenientes
E quem devia denunciar o esquema, isso, trazer a lume,
chamar de todos a atenção
Já ta queimado e sem crédito! E ou vendeu a alma, ou lhe
arruinaram a reputação…
É por isso, meu irnão,
que eu não quero não.
Pra mim chega. Ganharam. Levem a taça, soltem foguetes. Falem
de revolução.
Pra mim parece eco, se repetindo. Vejo é a miséria se instalando. Não
dá, não…
Henrique,esta poesia toca o coração pela coraagem de dizer a verdade.
ResponderExcluirgid,