Andava um pouco por todo o
lado, sem se preocupar em ter um rumo.
Lançava os olhos sobre as
coisas, numa espécie de exercício de desatenção, mas eles não se tardavam nelas.
Era antes como se os deixasse seguir uma borboleta nas lógicas desconhecidas dos
seus voos periclitantes.
Num momento adejavam em
fascínios por uma flor, para logo depois
permanecerem encantados com a solidez duma qualquer pedra triste, dum canto sem
encanto. Ou então elevavam-se no ar, como num invisível turbilhão de vento e
esbaforidas asas, e perdiam-se nos jogos de sombras e nos matizados quentes dos
pores de sol.
Às vezes sentava-se num
canto qualquer de nenhum lugar em especial, quando o cansaço ou a fome pesavam
nos seus gestos. E às perguntas que lhe faziam respondia sendo quem era, dependendo
do que estava sendo, ou do que a pergunta perguntava.
"-Não vou mais longe,
porque me falta a coragem para o regresso!" - respondeu um dia à estrada.
"– Pela estrada vai-se tão longe!"
"– Pela estrada vai-se tão longe!"
Foi então que uma agitação indefinida
fez com que ele olhasse em redor e sorrisse para o sorriso que os caminhos
ostentavam, orgulhosos e contentes.
"-São tão mais doces, os
caminhos mais lentos!" – continuou. "–Mesmo que já seja noite, no regresso.
Caminha-se bem, de noite…"
E quando falava assim, a noite
aproximava-se depressa, e surgia um escurecer que já era uma promessa de
carícias.
"-E a lua chega bem para
ver tudo, e não tropeçar. É tão bonita, a lua!"
E quando assim dizia, a
lua brilhava mais, redonda e forte. E era como prata derramada na areia branca
do chão, arrancando sombras mágicas às folhinhas de erva e às pedrinhas roladas,
sempre prontas a entoarem baixinho o coro dos muitos passos.
Ao regresso respondeu já lá na
fonte, dizendo que não voltava nunca por fome ou sede, mas porque sabia quem
era, ao partir. E temia não saber se ia encontrar-se, ao chegar.
Então a água da fonte filosofou,
e disse-lhe que a vida talvez fosse a própria sede, e que talvez fosse preciso
beber sempre, sempre. Logo a fonte murmurejou uma nota mais alta de anuência e,
logo depois, no pequeno lago, um sapo mergulhou com estardalhaço, concordando
também.
Aproveitador como sempre,
de imediato o medo se agigantou e tomou formas, e triste se foi quando ouviu
que não era temido.... E a água precisou entender como era saboreada em todos os infinitos
instantes em que dava vida, e derramou lágrimas que não eram de tristeza mas de
entendimento.
E terá sido das suas lágrimas
que um nevoeiro sublime se ergueu, e aos poucos, contente, subiu até sumir no ar. E foi quando a chuva
desceu, e as plantas riam das gotas e cantavam uma canção com notas graves, de
terra molhada e pedras verdes de musgo.
Nesse interím, o momento
chegou, correndo e feliz. Falou de poesia e perguntou dos poetas, dos versos, de
todas essas vozes que se ouviam ali, e que diziam e cantavam.
Alguém lhe perguntou sobre
versos de amor, mas a resposta veio do muro, que estava segurando o vento e que permitia tudo o mais.
Num murmúrio de pedras
acumuladas, e um sorriso que o tempo derrubara mais ou menos a meio, pareceu
dizer que todos os versos são de amor, mesmo em prosa.
Depois, no silêncio que ficou, uma
voz fininha disse que versos somos todos nós. E pode ter sido a noite, ou
talvez a saudade, que chegou entretanto, ou alguém que ninguém viu.
copyright henriquemendes ( foto e texto )
Querido y admirado Poeta, tienes razón al decirnos que todos los versos, inclusive la prosa, hablan de amor. Muy bello tu texto, que considero es una liberación de tu canto interior.
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