27 de ago. de 2014

98 - SERIAM PALAVRAS








Seriam palavras, se as houvesse.
Se pudessem dizer mais, daquilo que importa.
Se com elas se construíssem ninhos para onde voássemos,
quais pássaros livres mergulhando às alturas,
falhos de lógica, em quedas só nossas,  ascencionais,
seguindo os caminhos secretos do instinto
e as vozes antigas no sangue grosso,
quando gritasse exigências.

Seriam passos, se ainda os houvesse por dar.
Ou se fossem ainda necessários
para chegarmos onde já estamos sempre.
Se houvessem ainda caminhos a percorrer,
e se, percorrendo-os, diminuíssemos duma vez
as distâncias e os medos que nos separam de nós.
Seriam passos –ferramenta escavando um futuro
numa falésia rochosa feita de outras dificuldades.

Mas são apenas os dias escoando-se desperdiçados,
deixando atrás de si uma fome especial feita de desencontros,
de mal entendidos que talvez temamos bem- entender,
e, neles, as palavras revelando-se insuficientes,  soando ocas,
e os passos tornando-se caminhos sem rumos definidos,
desenhando pegadas em  mapas fortuitos, num ladear de destinos.

Por isso às vezes me desloco para  um outro mundo, desenquadrado,
sem regras nem tempo medido, nem assinado embaixo,
onde procuro que não haja esperança excessiva  nem mel a conta-gotas.
Um meio que seja um outro meio , talvez num tempo diferente,
onde quero as palavras como fortes mas singelas carícias,
e onde os gestos ecoem os adejos das  asas  brancas de criatura aladas,
ajoelhadas perante a  missão primordial de serem felizes.
Um meio e um tempo “entre” , onde subsisto numa história  crua,
e onde  me escrevo em prazeres onânicos e simples
enquanto os momentos  se revelam em  concordâncias fantásticas,
onde a verdade, como uma pimenta, se acrescente á ficção e ao mundo.

Em redor sobram, a partir de então, as cascas das horas  terçadas como armas, e  as identidades desperdiçadas perambulando pelo Caminho.




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