22 de mar. de 2016

124 - SEMEAMOS






Somos assim, semeadores...
Quem nos olha não vê, nem imagina que exista,
nos gestos com que enchemos os dias,
esse algo mais, composto da subtil essência
com que os dias nos enchem a nós.

Vistos de fora, somos apenas mais uns...
Sentados nos degraus de pedra quente,
no improvável silêncio da noite mais improvável,
nada nos ressalta nem enaltece,
nem ninguém  nos aponta com o dedo,
em estranheza ou  em estranho receio.

E também ninguém sabe,
nem ninguém adivinha, que, 
no calor da pedra,
absorvemos a história da escadaria.

Nem é visível, nos nossos passos erráticos,
o carinho com que tornamos nosso
o percurso dos passos com que tantos outros,
lhe subiram os degraus, antes,
ou os desceram rapidamente,
em  fortuitas lógicas de vida,
e que depois se espalharam pela cidade
como se fossem inconseqüentes...

Por isso, tantas vezes, não se entendem
os sorrisos vagos , nas nossas faces,
ou os cenhos carrancudos da nossa zanga...

Por isso, tantas vezes, nos criticam
os braços erguendo  alto algum brinde,
sem verem que é o momento único,
que mais ninguém viu ou cantou,
que queremos congelado
antes que passe e se esfume
sem que nada lhe dê voz...

Porque é isso que somos:
-Testemunhas.
E, do nosso testemunho,
semeamos histórias.


Semeamos algum sentido...


copyright HenriqueMendes


21 de mar. de 2016

123 - ESPEREI





Esperei a chuva passar.
Os salpicos deixarem os vidros.
As nuvens esquecerem-se do azul celeste.
A terra rejeitar a água farta.
O asfalto cantar freadas, novamente.

Esperei físicamente, aguardando desfechos.

Esperei com o espírito,
desejando que acontecesse.

Com fé,
crendo que iria acontecer.

Mas tudo mudava sem retorno,
como se a vida recusasse
hesitações.

Acabou acontecendo,
duma outra forma:
- Deixei de esperar.

As palavras tomaram o freio nos dentes.
Inevitável, o sol nasceu.

A Poesia gritou
mais alto do que eu sei.


Copyright 2008  FotoHMendes

122 - EM CURSO






Aqueles tempos
que hoje mal ouso lembrar,
de lutas vagas
e sons tão fortes,
- que é feito deles?

Estarão contidos
naquilo que  sou?
Naquilo que, hoje, eu sou?
Ou perderam-se
nos  outros caminhos
em que a vida me lançou?


Houve o tempo das palavras.
Com elas os dias se enchiam de cor,
e flores inquietas ensaiavam outros destinos
mais nobres do que os campos,
em dias de primavera.

Com elas,
paixões  enchiam  peitos
e acendiam-se auroras
em olhos crédulos,
faiscando amor.

Com elas  se afagava a alma,
e se persuadia,
se argumentava e nutria
o som da vida a acontecer...

Depois houve todos os outros tempos.


Hoje, não há tempo.


FEV 2008 Foto St andré le Roux 1991



19 de mar. de 2016

121 - DIA DO PAI ......... ( Día del Padre)



Dia do Pai, aqui em Portugal.

Saúdo a todos os meus amigos que são pais. E a todos os pais dos meus amigos, e a seus pais. Em todo o mundo.

Festejo com todos  as boas recordações que guardam dos seus pais, caso eles já não estejam presentes dessa forma tangível a que chamamos vida. Claro que estão presentes de outra forma, nos mínimos detalhes daqueles que geraram e educaram. Na sua  maneira de estar no mundo, no seu comportamento, nas suas aptidões, sentido estético, limites, humor, desempenhos de todos os tipos.

E porque assim são as coisas, e porque deixar pegadas no caminho de alguém é algo que se incrusta no Tempo por muito tempo, pensemos no que fica de nós. No exemplo que deixamos enquanto pais, ou simplesmente como geração mais velha.

Não creio que educar seja apenas ensinar os nossos valores. É preciso viver coerentemente com eles, para que sejam assimilados como valores e não apenas como regras. Regras contornam-se, dobram-se. Iludem-se. Os valores são a regra demonstrada num percurso de  vida coerente e persistente, que depois nenhum tempo apaga. E isso é exemplo. E com sorte, isso colhe-se de um Pai.

A todos os Pais, que assim se assinaram no Tempo, e nele deixaram com humildade o seu exemplo, não a sua regra, e a liberdade de segui-lo, eu saúdo neste dia tão especial.


A todos o meu abraço imenso. Feliz dia do Pai !

5 de mar. de 2016

120 - COLORINDO O TEMPO





Se eu fosse colorir o tempo,
pintaria todos os estuários dos rios
com pôr de sol.

E em todos os penhascos
pintaria limites com a erva mais verde,
cravejada de pedras caiadas de branco.
E lá de cima poderiam ver-se
em todo o mar, adejando ventos,
as sombras de velas brancas,
subindo, descendo, acariciando
ondas  e espumas efervescentes
em todas as cores.

Seriam em tons de areia os infinitos,
com coqueiros  em vénias lentas
para onde correr em pausas
de sedes e risadas,
e faiscantes de água os  olhares
de quem olha longe e não se encontra.

Faria da cor poeirenta dos caminhos
a memória das pedras  silenciosas
que escrevem o tempo em sombras
e resistem aos ventos.

E no barro avermelhado dos telhados,
deixaria intermitências de vidro transparente
por onde o sol pudesse pintar em arco-íris
e as estrelas ousassem visitar sonhos
em doçuras primordiais.



E talvez nem fizesse mais...