31 de dez. de 2015

118 - O ÚLTIMO TEMPO




O tempo passava num instante.

O mágico lançou para a lua uma última olhada triste,
numa despedida que era apenas um silêncio
disfarçado de suspiro.

Depois, sentindo que ainda faltava alguma coisa,
deixou àquela pedra redonda, onde estivera sentado,
um único pensamento que já era de adeus:
“ –Estou a sentir-me como tu, pedra!”

E então foi-se embora, seguindo o seu caminho.
Já nem escutou  o que dizia a voz da pedra,
baixa e acostumada a não ser ouvida:

“- Ah, coitado! Também te dói o coração?”


( ÚLTIMO PEQUENO TEXTO DE 2015 foto colhida na net, sem autoria conhecida )

23 de dez. de 2015

117 - PERPETUANDO-SE



Um dia decidi levar-te, Poeta, aos lugares onde se passaram  histórias das quais  já mal me lembro. Clareiras de luz diferente no meio do bosque que, entretanto, se agigantou em tons de verde pardo e tapetes espessos de caruma  antiga.

Terias apenas de descobrir os gestos de acariciar as pedras que os Poetas acariciam, tão conformes às suas mãos tacteantes, sensoriais.

Terias apenas de enfiar-lhes os dedos por baixo do musgo, aos poucos, em carícias cada vez mais íntima, até lhes sentires nas palmas das mãos os formatos arredondados, e te maravilhares tu também com o calor suave emanando delas, em secretíssimos prazeres.

Darias voz ao mutismo das sombras das árvores, que até aí dançavam só para mim. E mais brilho às lágrimas de resina com que ocasionalmente as árvores se traíam por entre a rude casca, em emoções de árvores, dissimulando a sua humanidade.

Quis levar-te e partilhar contigo momentos especiais. Talvez exibir-me um pouco. Talvez, ufano,  quisesse que me visses terminar de crescer, e fosses testemunha de um novo caminho, iniciando-se.

Só não esperava ser incapaz de surpreender-te, novamente. De ouvir-te as mesmas palavras como látegos, sibilando até me atingirem a alma com a fremência das coisas, num paroxismo particular dos sentidos.

De permanecermos dependentes e paralelos, depois de tudo, - dentro do acordo que um dia criamos juntos, e ao qual, um outro dia, eu daria um fim. Acordo do qual hoje desisto.

Sigamos, pois. Juntos, sim!

Nas mesmas veias, na mesma verve. No mesmo eco do Tempo…


(Tempo…Tempo…Tempo…) reverberado entre palavras de rocha viva…


15 de dez. de 2015

116 - PASSARINHO





Escutava-se, havia já alguns dias, um ruído anormal vindo do exaustor de ar do banheiro aqui de casa – tão mais estranho quanto ocorria precisamente nas alturas em que estava desligado.

Intrigado, ponderei que não podia ser nada de muito especial. Afinal,  o exaustor é apenas  um pequeno motor eléctrico que suga o ar do banheiro e o expele por um tubo que vai até ao telhado, onde há uma espécie de pequena chaminé.

A única coisa que conseguia imaginar, capaz de produzir um ruído como aquele, era o de uma sacola de plástico que tivesse entrado pelo tubo e tivesse ficado entalada, de alguma maneira impossível de imaginar, vibrando com o vento e fazendo aquele som adejante como asas de um passarinho.

Asas de passarinho. O pensamento surgiu como uma martelada. Não podia ser. Já se escutava há vários dias, de vez em quando. Um passarinho não dura tanto tempo, dura ? E não se escutava nenhum pio, chilreio,  nada dessas coisas que supomos que os passarinhos fazem. Mas seria ? Um passarinho ?

Corri atrás da lanterna e dumas luvas, subi com um pé num banquinho e o outro no vaso sanitário, deixando a luz do tecto desligada para não fazer funcionar o exaustor. E não escutava nem mais um ruído, nada. Claro que não podia ser um passarinho, dizia-me um canto da razão.

Mas às mãos impelia-as o coração. Minha mulher segurava a lanterna, e meio no escuro, meio na sombra das minhas mãos, lá desmontei a face do aparelho, desliguei-o da electricidade, desaparafusei-o da parede e por fim, já de luz acesa, retirei-o do seu nicho dentro da parede com todo o cuidado.

Lá dentro era escuro, tubo de plástico preto, não conseguia ver bem e tive de usar a lanterna outra vez,  mas sim…Um pouco mais à frente estava um passarinho. Virava as costas para mim, e olhava para cima, para o túnel por onde chegara até ali, e por onde agora não conseguia voltar pois não tinha espaço para bater as asas.

Enrolei um pano na mão, que consegui a custo enfiar no buraco até apanhar o pequeno passarinho e trazê-lo para fora. Era um pardal comum, quentinho na minha mão, a quem tentei dar água molhando o dedo e encostando-o ao seu bico. Ganhei umas bicadas inofensivas mas cheias de combatividade. Forte, o seu coraçãozinho batia a mil por hora.

Decidi levá-lo até à janela do prédio e deixá-lo voar. Voou rápido e sem hesitações, apesar do cativeiro de vários dias, sem alimento nem água. O seu voo foi singelo e eficiente, desapareceu quase de imediato.  Mas recordo dele os olhinhos muito escuros e brilhantes e, acima de tudo, o som das asinhas batendo, quando saiu da minha mão. Era o mesmo som que eu escutava dentro da parede.

A alegria de vê-lo bem e voando, livre, foi avassaladora.

Depois o momento passou, Regressaram todas as coisas que tinham ficado em suspenso daquela hipótese de ser um passarinho, e que de repente tinham ficado priorizadas de uma outra forma. A internet disse-me mais tarde que se tratava de um pardal fêmea, e que viviam cerca de 15 anos, o que é muito mais do que eu poderia imaginar. Tal como jamais iria imaginar este presente de Natal, que a vida me deu, disfarçado de ser útil a um passarinho.



Feliz Natal, passarinho. Obrigado por teres vindo.


115 - NATAL DE POETAS



Não sei quantos somos hoje.
Nem me importa se mais, ou se menos.
Sei que nos cuidados infinitesimais
de cada linha escrita que encontro,
há gente como eu, que descubro aos poucos.
Há as magias e os convívios maiores que o tempo,
e as trocas fantásticas  semeadas nas tempestades
das ideias e dos ideais.
Há as doçuras compartilhadas,  das emoções em afagos, reverberando,
e gritos de solidão, despertando  ecos  em espaços cheios
e rumorejantes de não sabemos bem do quê.

Não sei quantos somos hoje.
Nem me importa se mais, ou se menos.
Importa-me que possamos ter voz, e ser esperança.
E que possamos cantar Natais cheios de beleza,
com risos em corais, e brilhos incendiados nos olhos
das crianças que soubermos ser  outra vez.
E sorrisos,  também, daquelas que ajudarmos a ser
nesse mundo onde as crianças vão tendo tudo,
e todos os meios, e todas as coisas,
menos a oportunidade de serem crianças.

Não sei quantos somos hoje.
Nem me importa se somos mais, ou se menos.
Mas, não sendo muito, somos Poetas.
E disso dependem sonhos e risos, fantasias e amores ,
decantados destinos e exacerbadas  dores
ideias com brilhos  de pó de fada, ecos de outros destinos,
sonhos de um mundo melhor, sabores de aventura,
montanhas escarpadas de sorrisos e palavras, carinhos, 
e os fascínios de todas as cores.

Não sei quantos somos hoje.
Nem me importa se somos  mais, ou se menos.
Mas a todos esses Poetas  de destino assumido
que continuam trabalhando,
eu desejo um  muito


Feliz Natal