21 de out. de 2015

114 - INVENTOU-SE O POETA






Um dia alguém inventou por bem,
na comodidade tranquila de quem sonha
desejos sem risco, coisa para os outros,
que alguém mais fosse , dissesse algo
ou fizesse extraordinário feito,
que tivesse  os  contornos  grandiosos
e a aparência do inevitável.
E então, o nascer dos dias
passou a chamar-se amanhecer,
(se não foi ao contrário),
conforme desse jeito dizer,
ficasse mais bonito mostrar
ou de acordo com o sentir.

As folhas verdes das florestas
soaram chuva com as  gotas  grossas
repicando em branco, e
ficaram mais verdes, evidentemente.
E  nos prados, daí em diante,
as flores  exalaram  em elegâncias
não perfumes, mas  luxuriantes
gritos de cor dando trabalho aos artistas.

O mundo mudou
depois que alguém sonhou
para os outros  um mundo
com contornos grandiosos
e detalhes magníficos
vicejando nos lugares comuns.

Para uns, inventou-se o destino.
Para outros, inventou-se o Poeta.



(foto HMendes  / pelo Dia do Poeta  20.10.2015 )

11 de out. de 2015

113 - SOCORRO






Não houve nenhum assobio baixinho,
como o vento faz nas frinchas das janelas.
Nem hastes de plantas,  inclinando-se em aviso,
postes oscilando luzes inúteis em vielas mais escuras ,
ou papéis voando misturados 
num caos de páginas não numeradas.

Foi apenas uma espécie de saudade

do espaço emocional mais curto,
menos estendido no tempo,
menos sujeito a efeitos de trama.

Saudade da coisinha que fica pronta,

em meia dúzia de linhas cujas emoções
crescem além das nossas que lhes deram vida.

Foi a sensação de falta desse olhar

tão benévolo, mesmo sendo crítico,
ou acre, não sendo doce,
e sempre doce, sendo de amor,
que se lança sobre o mundo
como uma escuridão de outras coisas,
e que nos isola, como se uma capa fosse,
do instante mais premente,
do projecto mais regrado e longo,
da prosa com um objectivo mais distante.

Já não me lembrava da solidão das folhas

amontoando-se para um livro.
Pude esquecer, sem senti-la, a fome
onde  nascem os poemas  de socorro...

Até hoje !