26 de nov. de 2012

60 - AMOR DE MARINHEIRO





A Tobias,
quem o visse olhar
veria nos seus olhos, à distância,
as ondas correndo com a maré.

Mas quem lhe prestasse atenção 
veria nele mais que o mar.
Veria os seus olhos olhando longe,
e, neles,  as ondas correriam com a maré.


( foto do Google image, sem identificação )

25 de nov. de 2012

59 - SOMBRAS





Nesse rectângulo luminoso
jorrando dourado nos meus braços,
há muito mais que apenas a luz do dia
e o azul  do céu lá fora, recortando
toda a alvura da casa.

Há o movimento eternizando-se
das cortinas lentas também brancas,
e a magia além do tema,
das minhas mãos dançando
enquanto escrevem.

Tal como num dia de chuva
quando deixo que chova,
mas com mais folhas arrastando-se
pelo chão, lá fora.

E, de tudo, uma segunda voz
repete sobre a mesa a vida
diluída em sombras.

58 - JÁ É TANTO !





E agora?
Já é tanto,
descobrir em passos erráticos caminhos,
onde todos sempre apontaram apenas
a poeira do destino.
Já é tanto lançar lá longe 
olhares longos como vendavais,
afastando as nuvens vermelhas das tardes inacabadas.

Já é tanto olhar mais perto 
e ver os outros…
Sentir–lhes os passinhos agitados, incessantes,
e ainda sorrir-lhes, 
enquanto vemos por detrás deles
as pedras interrompidas, desesperadas,
cansarem-se de crescer e depois estalarem,
secamente,
exalando o seu último sorriso  
ao transformarem-se em pó !

Já é tanto
viajar  nos brilhos da estrelas e  elevar a mente,
deslocar-se pelo prazer de outras distâncias
que os sentidos jamais acompanharão…
( Quase se conseguem
tocar os dedos dos deuses antigos,
interferindo nas nossas escolhas mais elementares... )

E agora?
Transformámos montanhas em encruzilhadas ?

15 de nov. de 2012

57 - RECEITA PURA





Tempero a minha tinta com pigmentos certos 
em pequenas doses, de que nunca me apercebi.
E são sempre os mesmos, os frascos que deixo abertos,
nessas prateleiras onde guardo de tudo o que colhi.

Não são bem  memórias,   nem chegam a ser  recordações.
São mais  esboços,  algumas coisas apenas começadas,
às vezes  apenas  imagens,  ou apenas  vagas sensações.
Raramente convicções plenas, ou certezas já formadas.

São também fragmentos, pedaços de coisas, objetos costumeiros,
papéis onde lancei linhas como gritos de alma, interrompidos,
arquivos de pensamentos que  se inexplicaram, perdidos,
num mar de acasos  displicentes,  travestidos de ordeiros.

A um pouco de tudo isso, misturo a vontade e a sede do momento.
faço a tinta com que me pinto,  na tela do que vou podendo ser,
em traços fortes de emoção e uma ou outra lágrima de prazer,
até que de mim reste algo mais concreto do que apenas o sentimento.

É dessa forma, vendo  paredes cobertas de tantos pedaços de mim,
que recolhi   em tantos rumos inesperados  por onde me espraiei,
vendo  as marcas do uso dizerem-me quais foram os que mais usei,
que entendo melhor  como, afinal,  sou,  e como me tornei  assim.

E se, nesse processo de tornar-me em mim e  dar-me forma,
me dei a tanto, e em tanta coisa leio o formato da minha mão,
que privilégio conhecer-me assim por dentro, saber-me  razão,
e escolhas além dos acasos, e improvisos além da norma...

Depois encaro os dias, senão refeito, pelo menos renovado.
E se não encontro motivos para orgulho, nessas cores que exibo,
por certo também nelas não encontro razões para o ver ferido
e o meu caminho estende-se em passos de caminho caminhado....

E quando ocasionalmente me esqueço do básico que aprendi,
e dou por mim assim cabisbaixo, e vejo  o triste que eu estou,
olho os meus frascos abertos, pago o preço de ser quem  sou,
e repinto-me com as cores que, aos poucos, para mim escolhi.



Julho 2010 / rev 2012

( imagem do google )

11 de nov. de 2012

56 - SURPRESA




Jamais lamentarei  todas essas noites de breu
gastas relendo-me, já esquecido, noutras datas,
em mínimos passos  gigantes, de emoções  fartas,
tornando inevitável  este  futuro que aconteceu.

Textos  espalhados escrevem-me sobre a mesa.
Vertiginosos, não lhes falta paz.
Apenas me sobra surpresa.

5 de nov. de 2012

55 - COR DESTINO






Talvez haja palavras mais além das palavras mais simples.
Que me expliquem mais em azul, quando quiser  dizer  “céu”,
ou que  façam mais verde a erva  nos campos
por onde galopa, disparado, esse cavalo que monto
rumo ao mais lento de todos  os destinos.

Há-as  mais claras, mais veementes e mais belas.

Mas eu  sou caminheiro antigo,
e busco-as  nas curvas  feitas pelos  caminhos,
nos segredos da poeira  mil vezes levantada,
que mil vezes assentou lentamente sobre o mundo,
-e mil vezes revelou detalhes preciosos
de histórias que ninguém contou.

Venho  dum tempo
em que as palavras eram fáceis e iguais,
preciosas, fáceis de usar.

Soavam, diziam.
e não contavam histórias.

Hoje conto, de todas as vezes,
cuidadosamente,
o preço que pago para que as contem.

E digam exactamente
que cores quero no meu céu,
e como pinto o meu destino.