4 de out. de 2012

54 - QUIS LEVAR-TE POETA




Um dia decidi levar-te, poeta, aos lugares onde se passaram  histórias das quais  já mal me lembro. Clareiras de luz diferente no meio de um bosque que, entretanto, se agigantou em tons de verde pardo e tapetes espessos de caruma  antiga.

Terias apenas de descobrir os gestos de acariciar as pedras que os poetas acariciam, tão conformes às suas mãos veementes.  Terias apenas de enfiar-lhes os dedos por baixo do musgo, aos poucos, em carícias cada vez mais íntimas, até lhes sentires nas palmas os formatos arredondados, e te maravilhares tu também com o calor suave que delas emana, em secretíssimos prazeres.

Darias voz ao mutismo das sombras das árvores, que até aí dançavam só para mim. E mais brilho às lágrimas de resina com que ocasionalmente se traiem, por entre a rude casca, em emoções de árvores, mal dissimulando a sua humanidade.

Quis levar-te e partilhar contigo momentos especiais. E talvez exibir-me um pouco. Talvez, ufano,  quisesse que me visses terminar de crescer, e fosses testemunha de um novo caminho, iniciando-se.

Só não esperava ser incapaz de continuar a surpreender-te. De te ver sabedor das minhas descobertas.

De ouvir-te em palavras, como látegos, sibilando até me atingirem a alma com a fremência das coisas, num paroxismo que me é tão peculiar e, ao mesmo tempo, tão instigante aos sentidos, ditas, as coisas apenas minhas- os guardados de tanto tempo.

De assim permanecermos dependentes e paralelos, depois de tudo, depois de tanto - dentro do mesmo acordo que um dia celebramos juntos, crentes que, algum outro dia, lhe daríamos um fim. Ou talvez não.

Esqueci-me  que tinha desistido.